COMPANHEIRA
Não te busquei, não te pedi: vieste.
E desde que eu nasci houve mil coisas
que a meus olhos se deram com igual
simplicidade: o Sol, a manhã de hoje,
essa flor que é tão grácil que a não quero,
o milagre das fontes pelo Estio...
Vieste (O Sol veio também, a flor,
a manhã de hoje, as águas... ). Alegria,
mas calada alegria, mas serena,
entendimento puro, natural
encontro, natural como a chegada
do Sol, da flor, das águas, da manhã,
de ti, que eu não buscara nem pedira.
E o Amor? E o Amor? E o Amor?
- Vieste.
In “Campo Aberto”
Editora Ática
Sebastião da Gama
(1924-1952)
ÀS VEZES
Às vezes julgo ver nos meus olhos
A promessa de outros seres
Que eu podia ter sido,
Se a vida tivesse sido outra.
Mas dessa fabulosa descoberta
Só me vem o terror e a mágoa
De me sentir sem forma, vaga e incerta
Como a água.
POESIA I
In "Obra Poética I"
Editorial Caminho
Sophia de Mello Breyner Andresen
(1919-2004)
AMAR-TE CORPO A CORPO
Se é esta a doce lei que eu imagino
do amor que nos impõe o seu ditado,
amar-te corpo a corpo é o meu fado
E amarrar-me a ti o meu destino
sentir a própria alma em carne viva
respirar boca a boca e nesse jogo
atravessar-me em fogo no teu fogo
e alimentá-lo a beijos e saliva
se mais atino quando desatino
por meus jeitos de amor alvoroçado
é no alto mar revolto e desmaiado
que entre peripécias loucas me declino,
sendo cada carícia a mais lasciva
a inventar seus rumos afinal
na pura escuridão, na mais carnal,
que me cativa a mim e te cativa
entre as línguas, os sorvos, as gargantas,
doces gemidos, ternas resistências
e violências brandas, impaciências,
e tantas mais caricias, tantas, tantas
In “A Puxar Ao Sentimento”
Quetzal Editores
Vasco Graça Moura
(1942-2014)
HORAS
Gelava o tempo branco do relógio.
Fundiu-se um dia o mostrador
aberto para dentro
num foco por onde as horas negras fugiram enlouquecidas!
Lá para longe na faixa rósea da distância
recuaram ante o incessante alarido dos sinos
e logo regressaram
desesperadamente procurando em vão
o maquinismo do relógio.
Via-se a dia fechado de silêncio
num quadrado de luz amarelada
e de novo preso o pé do jovem
quando ia para sair...
Lisboa, 1934
In Revista “Pirâmide”
Nº 3 – Dezembro.1960 – Ano I
Pág. 44
Edmundo de Bettencourt
(1889-1973)
O MELHOR PRETEXTO
É tão frágil a vida,
tão efémero, tudo!
(Não é verdade, amiga,
olhinhos-cor-de-musgo ?)
E ao mesmo tempo é forte,
forte da veleidade,
de resistir à morte
quanto maior a idade.
Assim, aos trinta e sete,
fechados alguns ciclos,
a vida ainda pede
mais sentimento, vínculos.
Não tanto os que nos deram
a fúria de viver,
como esses descobertos
depois de se saber
Que a vida não é outra
senão a que fazemos
(e a vida é uma só,
pois jamais voltaremos).
Partidários da vida,
melhor: do que está vivo,
digamos "não!" a tudo
que tenha outro sentido.
E que melhor pretexto
(quem o saiba que o diga!)
teremos p'ra viver
senão a própria vida?
In "Poemas com endereço"
Moraes Editores
Alexandre O'Neil
(1924-1986)
ORAÇÃO
Sol, meu tesouro e luz dos meus sentidos,
O Sol da minha terra.
Sol a que meu espectro à flor dos campos erra,
E os cavadores cantam sucumbidos,
Terrosos como corpo em sepultura.
Seu destino fatal de imperfeição e agrura!
Ó elegias do Sol caindo no horizonte!
Rostos cristãos, os cavadores,
Rompe do saibro a sua fronte,
Rios são água de suores.
Sol, esposo da Terra, e Sol, meu pai dos Céus,
A ti respeito, adoração!
Hoje sacra harmonia, antes Apolo pagão.
Homens dos homens somos réus.
In “Rapsódia do Sol-Nado e Ritual do Amor”
Renascença Portuguesa
Afonso Duarte
(1884-1958)
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