TARDE
Teus olhos húmidos eram lagos
em que nosso desejo se mirava.
Tua boca entreaberta era a mensagem
do teu corpo moço que se dava.
Teu hálito quente
embrulhado de desejo
vinha de não sei lá que profundezas
em que de amor tuas entranhas se abrasavam.
E havia, amor, a envolver-nos,
essa solidão enorme
entre pinheiros, céu e terra quente
da tarde que dorme ...
In "Obra Poética"
Editorial Caminho
João José Cochofel
(1919-1982)
A LUZ…
A luz trocada em olhos que ficaram
subitamente cegos, e depois as palavras,
cautelosas, dizendo a seda
dos corpos sós. O desejo
foi polindo em silêncio
um fruto em busca da sua maturação.
A teu lado me deito e bebo a água
que tu me abres
e onde me perco e ardo e tudo.
Aqui tens o meu corpo cheio de mundo.
Amar-te é viagem que não se acaba
e contigo vou, para o alto
e para o fundo.
In “69 Poemas de Amor”
4Águas Editora
Casimiro de Brito
(N. 1938)
ANOITECE EM INFERNO A MINHA CASA
Anoitece em inferno a minha casa.
Fico com este começo de verso
a serenar a exaltação de não dizer nada.
Deixem-me com este sorriso a morrer
por uma sílaba mais real onde um verso
me sossegue
com unhas de lama e sangue,
como garras.
Anoitece em inferno a minha casa.
Fica a certeza de não ter fim o que
de inutilidades se basta,
ou apenas o instante em que,
por um verso, eu fui
à outra parte da casa.
In “Os Dias Todos Assim”
Editora & etc.
Helga Moreira
(N. 1950)
VIBORA
Como a víbora gerado,
No coração se formou
Este amor amaldiçoado
Que à nascença o espedaçou.
Para ele nascer morri;
E em meu cadáver nutrido,
Foi a vida que eu perdi
A vida que tem vivido.
In “Folhas Caídas – Livro Primeiro”
Almeida Garrett
(1799-1854)
SEGREDO
Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...
In “Diário VII” 1956
Miguel Torga **
(1907-1995)
** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha
SONETO XXXIX
Obrei quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos Sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.
Julgando os crimes, nunca voto dava,
Mais duro ou pio do que a lei pedia;
Mas devendo salvar ao justo, ria,
E devendo punir ao réu, chorava.
Não foram, Vila Rica, os meus projectos,
Meter em férreo cofre cópia d’oiro,
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:
Outras são as fortunas que me agoiro,
Ganhei saudades, adquiri afectos,
Vou fazer destes bens melhor tesoiro.
In “Marília de Dirceu – Parte II”
Tomás António Gonzaga
(1744-1810)
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Natália Cor...
. Recordando... Nicolau Tol...
. Recordando... Reinaldo Fe...
. Recordando... Rosa Alice ...
. Recordando... Rosa Lobato...
. Recordando... Sophia de M...
. Recordando... Fernando Ec...
. Recordando... Hélia Corre...
. Recordando... Edmundo Bet...