SE APARTADA DO CORPO A DOCE VIDA
Se apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte,
De que nasce tardar-me tanto a morte
Se ausente da alma estou, que me dá vida?
Não quero sem Silvano já ter vida,
Pois tudo sem Silvano é viva morte;
Já que se foi Silvano, venha a morte,
Perca-se por Silvano a minha vida.
Ah! suspirando ausente, se esta morte
Não te obriga querer vir dar-me vida,
Como não ma vem dar a mesma morte?
Mas se na alma consiste a própria vida,
Bem sei que se me tarda tanto a morte,
Que é porque sinta a morte de tal vida.
In “Cem Sonetos Portugueses”
(Selecção, organização e introdução de
José Fanha e José Jorge Letria)
Terramar Editores
Soror Violante do Céu
(1601-1693)
MOCIDADE
Não ter amor, esperança ou fé que alente,
não ter sequer um bem que nos sorria,
nem consolo, nem paz... e não ter guia
na vida que promete e assim nos mente;
sentir, dentro de nós, sempre gemente,
o coração faminto de alegria,
como um cego que pela luz do dia
viva a chorar na sua noite ingente-;
bradar, erguendo os braços para a Morte:
“Em ti encontrarei quem me conforte;
Oh! leva quem não deixa uma saudade!...”
E volver-nos, de longe, a Morte: “É cedo,
és moço ainda, cumpre o teu degredo!”
Para quantos é isto a mocidade...
In “Antologia da Poesia Feminina Portuguesa”
Organizada por António Salvado
Edições JF (Jornal do Fundão)
Cândida Ayres de Magalhães
(1875-1964)
UMA CANÇÃO DE PAZ
Arraza tudo que se oponha à tua
aspiração de ver a paz na terra
Que a guerra mesmo a menos crua
é sempre guerra
Ergue bem alto a força da palavra
e torna-a mais potente que o canhão
Que a guerra seja apenas sombra escrava
da má recordação
Arraza tudo que se oponha à tua
decisão de alcançar a paz na terra
Que a guerra mesmo a menos crua
é crime é sempre guerra
In "Raiz da Serenidade"
Edição do autor - 1967
Vicente Campinas
(1910-1998)
ACONTECIMENTO
Tu choravas e eu ia apagando
com os meus beijos os rastos das tuas lágrimas
– riscos na areia mole e quente do teu rosto.
Choravas como quem se procura.
E eu descobria mundos, inventava nomes,
enquanto ia espremendo com as mãos
o meu sangue todo no teu sangue.
Não sei se o mundo existia e nós existíamos, realmente.
Sei que tudo estava suspenso
esperando não sei que grave acontecimento
e que milhares de insectos paravam e zumbiam nos meus sentidos.
Só a minha boca era uma abelha inquieta
percorrendo e picando o teu corpo de beijos.
Depois só dei pela manhã,
a manhã atrevida,
entrando devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os meus olhos para ti:
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca.
In “ÁRVORE ”
Folhas de Poesia
Direcção e Edição de António Luís Moita, António Ramos Rosa,
José Terra, Luís Amaro, Raul de Carvalho
2.º Fascículo - Inverno de 1951
Pág. 98
Albano Martins
(1930-2018)
ALÉM DA MORTE
Fecho os olhos num sonho que me leva
Às paragens divinas da saudade,
Lá onde a noite é apenas claridade
Dando origem talvez a nova treva.
Fecho os olhos e avisto a Eternidade,
Lá onde um sol fantástico se eleva
Num perpétuo fulgor, sem que descreva
Sua órbita de luz na imensidade.
Fecho os olhos e vejo a minha imagem
Anoitecendo os longes da paisagem,
Como a única sombra que persiste...
Sou eu! sou eu aquele vulto errando!
Sou eu, além da morte ainda sonhando
Na tua graça e neste amor tão triste!...
In “Palingenésia”
Carlos de Lemos
(1867-1954)
ACTO DE CONTRIÇÃO
Pelo que não fiz, perdão!
Pelo tempo que vi, parado,
correr chamando por mim,
pelos enganos que talvez
poupando me empobreceram,
pelas esperanças que não tive
e os sonhos que somente
sonhando julguei viver,
pelos olhares amortalhados
na cinza de sóis que apaguei
com riscos de quem já sabe,
por todos os desvarios
que nem cheguei a conceber,
pelos risos, pelas lágrimas,
pelos beijos e mais coisas,
que sem dó de mim malogrei
– por tudo, vida, perdão!
In “Poesias Completas - 1969”
Adolfo Casais Monteiro
(1908-1972)
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