Sábado, 30 de Junho de 2018

Recordando... Alexander Search

PIEDADE? NÃO!

 

Piedade? Não! Não a desejo.

Ela seria escárnio maior,

Cruel desdém feito gracejo

Com olhar sério para conter

A rude graça. Não! A dor

Eu chore em paz. Deixem doer!

 

Piedade? Não! Escárnio venha,

Mais indiferença e mais desdém:

Confortos desses meu lar os tenha.

Mudar em pena o seu olhar

Já dor de mais fora também.

Fingir bondade, não pode ser.

Que os males pareçam como eles são.

Querer mascará-los é escarnecer,

Rara malícia sem coração.

 

1908

 

In “Poesia”

Edição e tradução de Luísa Freire

Assírio & Alvim – 1999

 

Alexander Search

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

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Segunda-feira, 25 de Junho de 2018

Recordando... Fernando Pessoa

QUANDO ESTOU SÓ RECONHEÇO

 

Quando estou só reconheço

Se por momentos me esqueço

Que existo entre outros que são

Como eu sós, salvo que estão

Alheados desde o começo.

 

E se sinto quanto estou

Verdadeiramente só,

Sinto-me livre mas triste.

Vou livre para onde vou,

Mas onde vou nada existe.

 

Creio contudo que a vida

Devidamente entendida

É toda assim, toda assim.

Por isso passo por mim

Como por cousa esquecida.

 

9-8-1931

 

In “Novas Poesias Inéditas – Fernando Pessoa”

Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino

e Adelaide Maria Monteiro Sereno 

Editora Ática - 1993 - 4ª ed.

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

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Terça-feira, 19 de Junho de 2018

Recordando... Alberto Caeiro

ONTEM O PREGADOR DE VERDADES DELE

 

Ontem o pregador de verdades dele

Falou outra vez comigo.

Falou do sofrimento das classes que trabalham

(Não do das pessoas que sofrem, que é afinal quem sofre).

Falou da injustiça de uns terem dinheiro,

E de outros terem fome, que não sei se é fome de comer,

Ou se é só fome da sobremesa alheia.

Falou de tudo quanto pudesse fazê-lo zangar-se.

 

Que feliz deve ser quem pode pensar na infelicidade dos outros!

Que estúpido se não sabe que a infelicidade dos outros é deles,

E não se cura de fora,

Porque sofrer não é ter falta de tinta

Ou o caixote não ter aros de ferro!

 

Haver injustiça é como haver morte.

Eu nunca daria um passo para alterar

Aquilo a que chamam a injustiça do mundo.

Mil passos que desse para isso

Eram só mil passos.

Aceito a injustiça como aceito uma pedra não ser redonda,

E um sobreiro não ter nascido pinheiro ou carvalho.

 

Cortei a laranja em duas, e as duas partes não podiam ficar iguais.

Para qual fui injusto — eu, que as vou comer a ambas?

 

[Poemas Inconjuntos]

 

In “Poesia”

Ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith

Assírio & Alvim

 

Alberto Caeiro

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

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Quarta-feira, 13 de Junho de 2018

Recordando... Fernando Pessoa

EU AMO TUDO O QUE FOI   

 

Eu amo tudo o que foi,

Tudo o que já não é,

A dor que já me não dói,

A antiga e errónea fé,

O ontem que dor deixou,

O que deixou alegria

Só porque foi, e voou

E hoje é já outro dia.

 

1931

 

In “Poesias Inéditas (1930-1935)”  

Nota prévia de Jorge Nemésio

Editora Ática - 1990

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

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Quinta-feira, 7 de Junho de 2018

Recordando... Ricardo Reis

DE NOVO TRAZ AS APARENTES NOVAS

 

De novo traz as aparentes novas

Flores o verão novo, e novamente

Verdesce a cor antiga

Das folhas redivivas.

Não mais, não mais dele o infecundo abismo,

Que mudo sorve o que mal somos, torna

À clara luz superna

A presença vivida.

Não mais; e a prole a que, pensando, dera

A vida da razão, em vão o chama,

Que as nove chaves fecham,

Da Estige irreversível.

O que foi como um deus entre os que cantam,

O que do Olimpo as vozes, que chamavam,

‘Scutando ouviu, e, ouvindo,

Entendeu, hoje é nada.

Tecei embora as, que teceis, Grinaldas.

Quem coroais, não coroando a ele?

Votivas as deponde,

Fúnebres sem ter culto. 

Fique, porém, livre da leiva e do Orco,

A fama; e tu, que Ulisses erigira,

Tu, em teus sete montes,

Orgulha-te materna,

Igual, desde ele às sete que contendem

Cidades por Homero, ou alcaica Lesbos,

Ou heptápila Tebas

Ogígia mãe de Píndaro. 

 

In “Poesia”

Ed. Manuela Parreira da Silva

Assírio & Alvim

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

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Sexta-feira, 1 de Junho de 2018

Recordando... Álvaro de Campos

CONTUDO

 

Contudo, contudo,  

Também houve gládios e flâmulas de cores 

Na Primavera do que sonhei de mim.  

Também a esperança 

Orvalhou os campos da minha visão involuntária,  

Também tive quem também me sorrisse.  

 

Hoje estou como se esse tivesse sido outro.  

Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.  

Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.  

 

Caí pela escada abaixo subitamente,  

E até o som de cair era a gargalhada da queda.  

Cada degrau era a testemunha importuna e dura 

Do ridículo que fiz de mim.  

 

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse, 

Mas pobre também do que, sendo rico e nobre, 

Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo. 

Sou imparcial como a neve.  

Nunca preferi o pobre ao rico,  

Como, em mim, nunca preferi nada a nada.  

 

Vi sempre o mundo independentemente de mim.  

Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,  

Mas isso era outro mundo.  

Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja. 

Acima de tudo o mundo externo! 

Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim.

 

 

In “Os Grandes Clássicos da Literatura Portuguesa

Fernando Pessoa – Poesia de Álvaro Campos – Vol. II”

Assírio & Alvim e Herdeiros de Fernando Pessoa

(edição de Teresa Rita Lopes), Lisboa, 2002

Da presente edição:

Editora Planeta DeAgostini, S.A. – Lisboa

Colecção dirigida por Vasco Graça Moura

 

Álvaro de Campos

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

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