EROSÃO
As terras envelhecem como as pessoas.
São meninas
são adultas
são caducas.
Dói ver morrer
mesmo sendo casas
pedras.
Dói que o silêncio
entre nas aurículas
e aí seja musgo
paz saqueada.
Dói tanta coisa:
até um western
numa cidade fantasma.
Dói tudo que finda
e a findar nos mata.
As terras envelhecem como as pessoas.
São hoje
são amanhã.
são ontem.
São futuro
são urtigas
são remorso.
São o próprio desejo
de acabar.
In “Marketing”
Publicações Europa-América
Fernando Namora
(1919-1989)
PARA ATRAVESSAR CONTIGO O DESERTO DO MUNDO
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
In “Livro VI”
Livraria Morais Editora
Sophia de Mello Breyner Andersen
(1919-2004)
DEVAGAR TE AMO
Devagar te amo, e devagar assomo
os dedos à altura dos olhos, do cabelo
dos anéis de outro turno, que é só meu
por querê-lo, meu amor, como a ti mesma quero
nos tempos de passado e sem futuro.
Devagar avanço um dealbar de dias
que vida seriam - mesmo que morto, à noite,
eu voltasse amargurado mas presente,
calado e quedo, e devagar amando.
In “Rua de Nenhures”
Edições Dom Quixote
Pedro Tamen
(N.1934)
SOU TODA TUA
Nua, nua
toda tua
vê-me assim!
Diz-me lá,
queres-me já?
Vens pra mim?
Faz-me amor,
dá calor
à amada.
Já transpiras
e respiras
madrugada!
Dás-me tanto
que é espanto
que te dou.
Se te canto
teu encanto
aumentou!
In “Com-sensual-idade”
Hugin Editores
Teresa Machado
(N. 1954)
SEMENTEIRA
Com um garfo
separava
para uma saca de plástico
arroz,
pedacinhos de pescada,
carapau, chicharro;
as espinhas deitava-as ao lixo.
O melhor do conduto
era sempre para os gatos.
Semelhante ao poeta
que guarda a parte maior
da sua vida,
as palavras,
para o leitor.
In “Velhos”
Editora Teatro de Vila Real, 2008
Jorge Gomes Miranda
(N. 1965)
SAIU COMIGO A NOITE
Saiu comigo a noite
pela estrada do destino desdobrada
saiu comigo a espera
na esquina do tempo arquitectada.
Caminhei pensamentos de miséria
no espaço dos horários
cresci na volta a forma que me dera
em ritos funerários.
Chamei a água viva do agora
num frasco sem remédio
e revi-me espectro folha da memória
à beira deste tédio.
Ai quanto peso de olhos abafado
se riu na sombra
do vinho face gesto deste fado
que a dor assombra.
Ai de quanto sórdido lugar onde se mente
em voz de mitos
pisam meus pés aqui tão castamente
os infinitos.
In "Obra Poética, 1957-1971 "
INCM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Salette Tavares
(1922-1994)
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