SEGUNDO DOS POEMAS DA INFÂNCIA
Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebessem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.
Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.
E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira,
que levou o chapéu do senhor administrador!
Em toda a vila,
se falou, logo, num caso de política;
o senhor administrador
mandou vir, da cidade, uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário,
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...
Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!
In “Obra Poética”
Editorial Caminho
Manuel da Fonseca
(1911-1993)
É PRECISO AVISAR…
É preciso avisar toda a gente
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir
É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha
É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta
É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores
In “Morse de Sangue”
Editora Gráficos Reunidos
João Apolinário
(1924-1988)
FOI UM DIA DE INÚTEIS AGONIAS
Foi um dia de inúteis agonias.
Dia de sol, inundado de sol!...
Fulgiam nuas as espadas frias...
Dia de sol, inundado de sol!...
Foi um dia de falsas alegrias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso...
Voltavam os ranchos das romarias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso...
Dia impressível mais que os outros dias.
Tão lúcido... Tão pálido... Tão lúcido!...
Difuso de teoremas, de teorias...
O dia fútil mais que os outros dias!
Minuete de discretas ironias...
Tão lúcido... Tão pálido... Tão lúcido!...
Clepsidra
In ”Ler Por Gosto”
Areal Editores
Camilo Pessanha
(1867-1926)
SOPRO
Sopro-te um beijo
sempre que respiro
as marcas da tua presença
na linha dos dias
meus
Dou-te o mar, o céu, as estrelas,
nas palavras que te invento
e te afagam docemente
em sentires que fazes
teus
In “Absolvição”
Edições Temas Originais
João Carlos Esteves
(N.1961)
É A GUERRA, MEU AMOR
É a guerra
meu amor, é a guerra
e os homens que fazem a guerra
não sabem o que é
Natal sem lâmpadas
mesas sem flores
tardes sem mãos.
Não entendem
isso não!
A metafísica das árvores no Natal
nem essa questão
de andar de mãos dadas
todo o ano
Para eles
o símbolo da continuidade
está nos filhos
carne do seu próprio nome
Se entendessem, meu amor
não teria morrido
o soldado que nunca vi
e tem dois filhos pequenos
Se entendessem, meu amor
não haveria uma esposa
apenas com um par de mãos
Mas eles não entendem
não entendem isto
de andar de mãos dadas
todo o ano, meu amor
In “Antologia da memória poética da Guerra Colonial”
Edições Afrontamento, 2011
Ivone Chinita
(1943-1983)
ACORDAR TARDE
tocas as flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio parou de correr e a noite
foi tão luminosa quanto a mota que falhou
a curva - e o serviço postal não funcionou
no dia seguinte
procuras ávido aquilo que o mar não devorou
e passas a língua na cola dos selos lambidos
por assassinos - e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais - nada a fazer
irás sozinho vida dentro
os braços estendidos como se entrasses na água
o corpo num arco de pedra tenso simulando
a casa
onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia
In "Horto de Incêndio"
Ed. Assírio & Alvim - 2000
Al Berto **
(1948-1997)
** Pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares
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