Domingo, 25 de Fevereiro de 2018

Recordando... Branca de Gonta Colaço

VERSÍCULOS

 

Vai desfilando a procissão dos dias...

e os dias levam factos em andores...

 

E com factos cimentam teorias

os Escribas, os Sábios, os Doutores...

 

E almas ligeiras, simples, erradias,

vão sobre os factos desfolhando flores...

 

Cravos e rosas para as alegrias,

goivos e lírios para os dissabores...

 

E soluçantes, pálidas, sombrias,

vão pelos dias perpassando as dores...

 

In "Antologia da Poesia Feminina Portuguesa"

Compilado por António Salvado

Ed. Jornal do Fundão

 

Branca de Gonta Colaço

(1880-1944)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2018

Recordando... Herberto Hélder

A CARTA DA PAIXÃO

 

Esta mão que escreve a ardente melancolia

da idade

é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,

que à imagem do mundo aberta de têmpora

a têmpora

ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra

a sua queimadura desde os seus recessos negros

onde se formam

as estações até ao cimo,

nas sedas que se escoam com a largura

fluvial

da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas

e o silêncio todo branco.

Os dedos.

A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua

alumia-se: O mel escurece dentro da veia

jugular talhando

a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se

a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas

obscuras, essa lua

tece as ramas de um sangue mais salgado

e profundo. E o marfim amadurece na terra

como uma constelação. O dia leva-o, a noite

traz para junto da cabeça: essa raiz de osso

vivo. A idade que escrevo

escreve-se

num braço fincado em ti, uma veia

dentro

da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta

da figura cavada

no espelho. Ou ainda a fenda

na fronte por onde começa a estrela animal.

Queima-te a espaçosa

desarrumação das imagens. E trabalha em ti

o suspiro do sangue curvo, um alimento

violento cheio

da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força

desde a raiz

dos braços a força

manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda

fechada, a límpida

ferida que me atravessa desde essa tua leveza

sombria como uma dança até

ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma

estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum

astro

é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros

do teu vestido.

As palavras que escrevo correndo

entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,

arterial.

E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.

A paixão é voraz, o silêncio

alimenta-se

fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te

toda

no cometa que te envolve as ancas como um beijo.

Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem

nos quartos.

É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a

entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel

relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta

pelo meio

o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras

um pouco loucas

engolfadas, entre as mãos sumptuosas.

A doçura mata.

A luz salta às golfadas.

A terra é alta.

Tu és o nó de sangue que me sufoca.

Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões

da madeira fria. És uma faca cravada na minha

vida secreta. E como estrelas

duplas

consanguíneas, luzimos de um para o outro

nas trevas.

 

In “Photomaton & Vox”

Assírio & Alvim - 1995

 

Herberto Hélder

(1930-2015)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Terça-feira, 13 de Fevereiro de 2018

Recordando... Francisco de Pina e Melo

SOLILÓQUIO

 

Já que o sol pouco a pouco se desmaia

E meu mal cada vez mais se desvela,

Enquanto a pena, a ânsia, a mágoa vela,

Quero aqui estar sozinho nesta praia.

 

Que bravo o mar se vê! Como se ensaia

Na fúria e contra os ares se rebela!

Como se enrola! Como se encapela!

Parece quer sair da sua raia.

 

Mas também que inflexível, que constante

Aquela penha está à força dura

De tanto assalto e horror perseverante!

 

Ó empolado mar, penha segura,

Sois a imagem mais própria e semelhante

De meu fado e da minha desventura.

 

In “Rimas”

 

Francisco de Pina e Melo

(1695-1773)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quarta-feira, 7 de Fevereiro de 2018

Recordando... Emanuel Félix

FANTASIA

 

Oh mãe, conta-me histórias de encantar

Daquelas em que há príncipes e fadas,

Dragões que guardam torres encantadas,

E que contavas para me embalar.

 

Conta-me histórias, mãe! Lendas infindas

De castelos erguidos nas colinas,

Onde habitavam fadas e meninas,

Brancas e loiras, sempre muito lindas.

 

Mãe, conta-me histórias de encantar,

Dos anjos que no azul do céu voavam,

Dos lagos onde cisnes passeavam,

E que eu revia à luz do teu olhar.

 

Conta-me histórias como em pequenino

Me contavas e tudo me sorria.

Histórias lindas que eu atento ouvia...

Oh que saudades, mãe, de ser menino.

 

In "A Mãe na Poesia Portuguesa"

Antologia de Albano Martins

 

Emanuel Félix

(1936-2004)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quinta-feira, 1 de Fevereiro de 2018

Recordando... Abel Neves

OUVE VOU DIZER-TE

 

Ouve vou dizer-te

abre com os dedos uma cereja

daquelas de fazer brinco quando a brisa é boa

tira-lhe o caroço

verás como isso é arrancar o coração do tempo

o carmesim do suco

é o choro e o riso

dos que se amam impacientes e belos

 

In “Resumo - a poesia em 2012”

Editora Documenta/Fnac - 2013

 

Abel Neves

(N.1956)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Gil...

. Recordando... Saúl Dias *...

. Recordando... Ruy Belo

. Recordando... Rui Miguel ...

. Recordando... Rui Pires C...

. Recordando... Sebastião d...

. Recordando... Augusto Mol...

. Recordando... Egito Gonça...

. Recordando... António Ram...

. Recordando... Maria Auror...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds