AMOR
Disseram-me hoje, Amigo, que te viram;
Que viesses para ver-me, era de crer...
O que eu ouvi!... Fizeram-me sofrer
Por suspeitas, ciúmes que sentiram.
Se soubesses! Choraram e sorriram
Os meus olhos na ânsia de te ver:
Mas tu não sabes - podes lá saber!...
As minhas forças nunca me iludiram!
Olha, amor, fui sublime em paciência:
Pura, inocente, ouvindo sem desdém,
Os insultos cruéis que recebi!...
Não devia doer-me a consciência...
- Nunca a ti o direi nem a ninguém,
Mas foi por te não ver que mais sofri! -
In "O Meu Desejo"
Editora Educação Nacional
Isaura Matias de Andrade
(1908-199_)
DOZE NATAIS
Não te lembraste de mim
durante onze meses e meio.
Passaste, encolheste os ombros
e continuaste o teu passeio.
Mas eu estava lá.
Na mãe desesperada,
na criança esquecida,
no velho abandonado,
no homem desempregado.
Durante trezentos e sessenta e cinco noites,
contei quatro ou cinco dias
com alguns risos e alegrias.
Durante meses e meses sem fim,
não te lembraste de mim.
Da minha fome e da raiva
Da solidão que me enche
Do meu desnorte
Das lágrimas, azedas lágrimas…
Do nevoeiro que é minha mortalha.
Da chuva que me agasalha.
Milagrosamente, apareces, com ar soberano
nas duas últimas semanas do ano!
Contigo trazes muita gente:
um empresário que abriu falência,
uma dama vestida com decência,
um político que veio visitar o Norte
e um benfeitor alto, bem falante e “forte”.
Chamam a comunicação social
e oferecem uma noite de Natal.
Tiram, por momentos, um Cristo da cruz
e falam do nascimento de Jesus
– Daqui a doze meses, se Deus quiser,
vamos todos de novo aparecer.
Vamos festejar o Natal com o povo
e desejar a quem sofre, Feliz Ano Novo!
Com estes gestos, com falas assim,
Troçaste de todos, troçando de mim.
Quando o homem se libertar de tanta hipocrisia,
Quando vivermos com alguma justiça social,
vamos ser pessoa. Viver com harmonia
E partilhar, um ano inteiro, o perfume do Natal.
In “Nobre Povo”
Edições Gailivro
Maria de Lourdes dos Anjos
(N. 1950)
À MINHA MÃE E À MINHA TERRA
A Ti, minha Mãe que tens o rosto
Dorido e iluminado duma santa,
Todo embebido em lágrimas de Amor,
É que a minha Alma, de joelhos, canta!
A Ti, e à minha Terra, as duas Mães,
Que me criaram juntas num abraço,
Pois ambas me trouxeram no seu ventre,
Ambas me adormeceram no regaço.
E tu, vento de orgulho, que em mim passas
Rugindo a toda hora,
Une-te ao pó:
E agora
Que de toda a minha Alma fique só
A trémula inocência dum menino
Para que eu reze uma oração de Graças!
Como és, ó mãe!, irmã desta Paisagem
Tão doce, religiosa e comovida,
Com uma parte viva neste mundo
E outra maior que é para além da Vida!
Já, por amor de mim, desses teus olhos,
Postos num rosto triste e macerado,
Como uma fonte prestes a nascer,
Muita lágrima em fio tens chorado
E muitas inda estão para correr.
Também a Terra sofre das raízes,
Que a penetram na ânsia de sugar;
Das Águas que a retalham pra correr,
Das humildes sementes a acordar;
Sofrem os Rios concebendo a Névoa
As Árvores no esforço de se erguer,
E Árvores, Rios, Névoas, tudo sofre
Quando lhes bate o lácteo do Vento
Ou se o Sol as devora, calcinante:
E é todo esse profundo Sofrimento
Para que eu num delírio ria e cante!
O vento, em fúria, passa sobre a Terra:
Talvez tu chores minha Mãe agora,
E quando eu canto, para ser Poeta,
Tu choras minha Mãe e a Terra chora.
A graça do teu rosto é já do Céu
Participa de Deus, de Eternidade,
E não se vê melhor estando ao perto:
Mas no vidente enlevo da Saudade,
Olhos fechados, coração aberto...
Tu ensinaste-me a rezar, ó Mãe!
E a minha Terra...: é só olhá-la bem,
Longe até às encostas,
Vêem-se choupos sempre até além...:
É a Paisagem toda de mãos postas!
Só tu podias ser a minha Mãe,
Só tu e mais ninguém
Trazer-me ao peito
É dar-me um leite em lágrimas banhado;
E que a estes meus olhos fosse dado
Só há no mundo este lugar eleito.
Graças, ó minha Mãe!, te venho dar
E a ti, boa Paisagem, também dou
Por meu divino gosto de cantar,
Pela parte mais santa do que sou!
É por amor das lágrimas ardentes,
Que te cavaram sulcos pelo rosto,
É por amor do céu e do Sol-posto,
Do Mar... de ti, Paisagem, que me abraças,
Que eu sou Poeta e canto e choro e rezo
E que vos dou esta oração de graças.
E assim, ó minha Mãe, minha Paisagem,
Ensinai-me a criar como as mulheres
E como a Terra generosa e ruda:
Que sofras, ó minha Alma, as dores do Parto,
Que dês o sangue aos versos que fizeres
Que o sol te queime e o Vento te sacuda!
Minha Mãe, Minha Mãe, ó Minha Santa,
E vós, sagradas Águas e ramagens,
Bendita sejas tu entre as Mulheres,
Bendita sejas tu entre as Paisagens!
In "Glória Humilde”
Renascença Portuguesa - 1914
Jaime Cortesão
(1884-1960)
SOU UMA GOTA PEQUENA
Sou uma gota pequena
Correndo rio abaixo
À procura do meu lugar.
Contorno tudo o que se opõe
E continuo o meu caminho
Por vezes sozinha
Às vezes acompanhada de outras gotas
Porque acompanhada ganho força.
Corro, pulo, ou sigo serenamente
Límpida e transparente
Quando chegam as enxurradas
Fico turva
Tenho de dar tempo ao tempo
Até voltar a ser.
Por vezes evaporo
Fico sem saber onde me encontro
Até que regresso
Numa chuva suave ou numa tempestade
E volto a correr
Para ver se chego ao meu destino
Que nem sempre sei onde fica.
O caminho não é fácil
Nesta viagem peregrina
Tantos obstáculos, para transpor
Será que chegarei ao aconchego do oceano?
Se lá chegar, descansarei, ou não
Conforme o seu estado
Contudo sei que tudo farei para chegar
À paz das águas serenas!
In “Corações em Silêncio”
Editora MoDocromia
Ana Antunes
(N.1962)
RETRATO
No teu rosto começa a madrugada.
Luz abrindo,
de rosa em rosa,
transparente e molhada.
Melodia
distante mas segura;
irrompendo da terra,
cálida, madura.
Mar imenso,
praia deserta, horizontal e calma.
Sabor agreste.
Rosto da minha alma!
in "Os Amantes Sem Dinheiro"
8ª Edição 1980
Editora Limiar
Eugénio de Andrade **
(1923-2005)
** Pseudónimo de José Fontinhas
RECREIO
Na claridade da manhã primaveril,
Ao lado da brancura lavada da escola,
as crianças confraternizam-se com a alegria das aves....
E o sol abre-lhes rosas nas faces saudáveis
A mão doce do vento afaga-lhes os cabelos,
– Um sol discreto que se esconde às vezes entre nuvens brancas...
As meninas dançam de roda e cantam
As suas cantigas simples, de sentido obscuro e incerto,
Acompanhadas de gestos senhoris e graves.
Os rapazes correm sem tino e travam lutas,
Gritam entusiasmados o amor espontâneo à vida,
À vida que vai chegando despercebida e breve...
E a jovem mestra olha todos enlevadamente,
Com um sorriso misterioso nos lábios tristes...
In “Poesia de Ontem e de Hoje para o Nosso Povo Ler”
Antologia dirigida por José Régio
Edição da Campanha Nacional de Educação de Adultos
Alberto de Serpa
(1906-1992)
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