AH ROSALIA, AH MULLER!
Agudas folhas, tão verdes,
Sonido de vozes brandas
Paz de "xa vellas barandas"
Que em sono vens e te perdes.
Que em sono vens da Galiza
E na luz do telefone
O sono tornas insone
E o tumulto à voz alisas.
In “Natércia Freire - Obra Poética” vol. II
Bib. Aurores Portugueses,
IN-CM - Imprensa Nacional - Casa da Moeda
Natércia Freire
(1920-2004)
O SEGREDO E O MISTÉRIO
Mistérios a pouco e pouco vão morrendo
e extenuados de vigília os anjos
são afinal a sussurrantes sibilinas vozes
que desvendam adivinham segredos
atrás de sentinelas
cuja ferocidade é uma ironia de ternura…
Na palidez da luz
cercando uma velha cabeça
a quem um sono de embrião já tolda os olhos
sorriem enigmáticos os sonhos.
1935
In Revista “Pirâmide”
Nº 3 – Dezembro.1960 – Ano I
Pág. 44
Edmundo de Bettencourt
(1889-1973)
NO ÚTERO E NO PÓ
Surges
Na cálida brisa da tarde,
Como Deusa
No cume da trave talhada
A ouro
Com rosto de prata,
Boca de serpente mansa,
Vestindo de fogo
O sexo.
És a mulher,
A prostituta doce
Dos seios firmes,
Da madrugada,
Dos vãos de escada…
Serpenteias em rituais loucos
Sob a máscara de cristal
Estilhaçada,
Chupando o sangue
Às rosas inventadas
Do Jardim.
Quem sabe se não serás a Musa,
Por quem os poetas clamam,
Ou o flagelo dos dias
E dos rostos baços?
Agora,
És somente
A Afrodite dos tempos
E do desalento.
Da carne!
Mulher,
Mito ausente
Na verdade e no ventre
Cuspindo a semente da raiva
Ao vento norte.
Mulher saudade,
Saudosa do regresso,
Dos hinos ao Sol,
Dos campos férteis do acaso,
E da Festa
Que as crianças sábias comemoram
No hálito das estrelas.
Terás talvez
Que encarnar a inocência
Na face uterina da noite,
Quando a voz estrangulada
Já não soar a grito,
Num pedestal de pó descarnado…
Uma sombra descerá
Com rosto brando
De anjo,
Sob a pia baptismal
Te despirá!
In “Vestida De Silêncio”
Universitária Editora
Célia Moura
(N. 1971)
FONTE
Meu amor diz-me o teu nome
- Nome que desaprendi...
Diz-me apenas o teu nome.
Nada mais quero de ti.
Diz-me apenas se em teus olhos
Minhas lágrimas não vi,
Se era noite nos teus olhos,
Só porque passei por ti!
Depois, calaram-se os versos
- Versos que desaprendi...
E nasceram outros versos
Que me afastaram de ti.
Meu amor, diz-me o teu nome.
Alumia o meu ouvido.
Diz-me apenas o teu nome,
Antes que eu rasgue estes versos,
Como quem rasga um vestido!
In "Poemas escolhidos"
INCM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Pedro Homem de Mello
(1904-1984)
SAUDADES NÃO AS QUERO
Bateram fui abrir era a saudade
vinha para falar-me a teu respeito
entrou com um sorriso de maldade
depois sentou-se à beira do meu leito
e quis que eu lhe contasse só a metade
das dores que trago dentro do meu peito
Não mandes mais esta saudade
ouve os meus ais por caridade
ou eu então deixo esfriar esta paixão
amor podes mandar se for sincero
saudades isso não pois não as quero
Bateram novamente era o ciúme
e eu mal me apercebi de que batera
trazia o mesmo ódio do costume
e todas as intrigas que lhe deram
e vinha sem um pranto ou um queixume
saber o que as saudades me fizeram
Não mandes mais esta saudade,
ouve os meus ais por caridade,
ou eu então deixo esfriar esta paixão,
amor podes mandar se for sincero,
saudades isso não pois não as quero.
In “Antologia Poética"
Guimarães Editores - 1966
Afonso Lopes Vieira
(1878 - 1946)
GÉNESIS
No princípio era o verbo, e eu traduzia-o
em palavras com um sentido fundo como o poço
de onde as mulheres puxavam os baldes de água,
à tarde, para refrescar o chão de agosto. Nas
cordas de roupa do quintal, eu estendia as palavras
para as secar: e via o sol atravessá-las até ao osso,
dissecando o seu corpo mais vago — as vogais fechadas
do fim, ou a enunciação de um infinito
Até ao limite do verbo.
No principio também eram as coisas: umas
sobre as outras, no alinhamento curvo do destino,
corno se não estivessem para cair nessa trepidação
de rimas que um fim de verso pode trazer. Então,
levantava-as do chão onde se tinham partido em pedaços,
as coisas brancas da lua e as coisas vermelhas do sol,
e colava-as na parede, vendo o muro subir
até ao tecto celeste..
E no fim, volta a ser o verbo. Arranha-me a língua
com as suas unhas de consoantes; e pego-lhe ao colo,
para que não fira os pés nas pedras do campo, ouvindo
a sua voz de carne e oo escrever-me, no fundo
da cabeça, e a toda a largura da alma, a frase
redonda do amor. Trabalho a sua sintaxe, até
descobrir as articulações do segredo; e abraço
o corpo que nasce na conjugação
das suas pálpebras, abertas até ao fundo
dos olhos, onde te vejo.
In “O Estado dos Campos”
Publicações Dom Quixote
Nuno Júdice
(N. 1949)
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