QUANDO EU MORRER
Não quero! Tenho horror que a sepultura
mude em vermes meu corpo enregelado.
Se no fogo viveu minha alma pura,
quero, morto, meu corpo calcinado.
Depois de ser em cinzas transformado,
lancem-me ao vento, ao seio da natura...
Quero viver no espaço ilimitado,
no mar, na terra, na celeste altura.
E talvez no teu seio, ó virgem linda,
tão branco como o seio da virtude,
eu, feito em cinzas, me introduza ainda.
E no teu coração, pequeno e forte,
(ó gozo triste!) viva eu na morte,
já que na vida lá viver não pude!
In “A Circulatura do Quadrado – Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa”
Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho
Edições Unicepe – Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto - 2004
Caetano da Costa Alegre
(1864-1890)
LIBERTAÇÃO
Andorinhas de sonho fazem ninho
nos beirais
e nas janelas
da casa-esperança sob um céu de anil.
E neste homem sòzinho
que vai acompanhando todo o mundo
no caminho
onde está encerrada a sua vida
despertam temporais nos seus corcéis
atiram-se bandeiras para a luta
incensos de procelas ferem fundo
na inconsequente e consequente lida
de querer ser aquilo que há-de ser
sol tempestade pão paz alegria
– simples homem irmão de toda a gente!
In "Raiz da Serenidade"
Edição do autor - 1967
Vicente Campinas
(1910-1998)
O POETA É UM GUARDADOR
o poeta é um guardador
guarda a diferença
guarda da indiferença
no incerto
guarda a certeza da voz
In "Um Calculador de Improbabilidades"
Quimera Editores
Ana Hatherly **
(1927-2015)
** Pseudónimo de Ana Maria de Lourdes Rocha Alves
MUNDO
Pinto-me no enquadramento possível de ser Mulher
talvez por isso a vida seja agridoce
talvez por isso a alegria irrompa dos meus lábios em profusão
e a lágrima se derrame na face como uma onda mansa
enquanto a alma sufoca.
Talvez por isso o sabor do mel embrulhado em seiva fresca
talvez por isso o citrino com odor a jasmim.
Não sei se se conjugam estes sabores e odores
nem sei se existe verbo que me conjugue, odor que me acolha
ou sabor que me deguste.
Sei que me pinto nesse enquadramento de Mulher
bem maior que o universo com que me cubro.
In "Laços de luar e outras histórias"
Editora Edita-Me
Teresa Brinco de Oliveira
(N. 1961)
ARREPENDENDO-ME DE A METER NUM ROMANCE
O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.
Deus fez o poeta por que não descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro – e faz menção de me enfeitar.
Os outros a conspurcam, mas é minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,
Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.
Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga
In “Obras Completas - Volume III”
INCM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Vitorino Nemésio
(1901-1978)
SOLTEIRA
No leito da vida
deitei-me dormida
à espera do amor.
Mas ninguém me quis
como companheira
e assim ficarei
até ao fim da vida
- sozinha, solteira.
In “Oferenda II”
INCM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Alberto Lacerda
(1928-2007)
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