NESTA GRANDE OSCILAÇÃO
Nesta grande oscilação
Entre crer e mal descrer
Transtorna-se o coração
Cheio de nada saber;
E, alheado do que sabe
Por não saber o que é,
Só um instante lhe cabe,
Que é o conhecer a fé —
A fé, que os astros conhecem
Porque é a aranha que está
Na teia, que todos tecem,
E é a vida que neles há.
5-5-1934
In “Poemas Esotéricos - Fernando Pessoa” – 1ª edição
Edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith
Assírio & Alvim
Fernando Pessoa
(1888-1935)
A GUERRA QUE AFLIGE...
A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo,
É o tipo perfeito do erro da filosofia.
A guerra, como tudo humano, quer alterar.
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito
E alterar depressa.
Mas a guerra inflige a morte.
E a morte é o desprezo do universo por nós.
Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa.
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar.
Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.
Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer cousas, deixar rasto.
Pára o coração e o comandante dos esquadrões
Regressa aos bocados o universo exterior.
A química directa da Natureza
Não deixa lugar vago para o pensamento.
A humanidade é uma revolta de escravos.
A humanidade é um governo usurpado pelo povo.
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.
Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!
Paz a todas as cousas pré-humanas, mesmo no homem!
Paz à essência inteiramente exterior do Universo!
“Poemas Inconjuntos”
In “Poesia”
Ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith - 2001
Assírio & Alvim
Alberto Caeiro
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
AMO O QUE VEJO PORQUE DEIXAREI
Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.
No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.
Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.
11-10-1934
In “Poemas de Ricardo Reis”
Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte
Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
O GRANDE ESPECTRO, QUE FAZ SOMBRA E MEDO
O grande espectro, que faz sombra e medo,
Ergueu-se ao pé de mim, e eu temi-o;
Não porém com pavor, que nasce cedo,
Mas com um negro medo, oco e tardio.
Trajava o corpo seu vácuo e segredo
E o espaço irreal, onde formava frio,
Era como os desertos do degredo,
Um não-ser mais vazio que o vazio.
Não mais o vi, mas sinto a cada hora
Ao pé da alma, que teme e já não chora,
A álgida consequência e o vulto nada,
E cada passo em minha senda incerta
Um eco o acompanha, que deserta
Da atenção fria, inutilmente dada.
9-2-1930
In “Poemas Esotéricos - Fernando Pessoa” – 1ª edição
Edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith
Assírio & Alvim
Fernando Pessoa
(1888-1935)
NÃO ESTOU PENSANDO EM NADA
Não estou pensando em nada
E essa coisa central, que é coisa nenhuma,
É-me agradável como o ar da noite,
Fresco em contraste com o Verão quente do dia.
Não estou pensando em nada, e que bom!
Pensar em nada
É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida...
Não estou pensando em nada.
É como se me tivesse encostado mal.
Uma dor nas costas, ou num lado das costas.
Há um amargo de boca na minha alma:
É que, no fim de contas,
Não estou pensando em nada,
Mas realmente em nada,
Em nada...
6-7-1935
In “Os Grandes Clássicos da Literatura Portuguesa
Fernando Pessoa – Poesia de Álvaro Campos – Vol. II”
Assírio & Alvim e Herdeiros de Fernando Pessoa
(edição de Teresa Rita Lopes), Lisboa, 2002
Da presente edição: Editora Planeta DeAgostini, S.A. – Lisboa
Colecção dirigida por Vasco Graça Moura
Álvaro de Campos
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
HORROR
Em minha alma, na sua escuridão,
Tão escura como a alma em cada ser,
Por bênção de sua eterna maldição
Lampeja qual vampiro sem corpo tido
Em rara plenitude além saber,
Do universo o íntimo sentido.
E tão cobarde é meu pensamento,
Toda a vida e tudo em mim absorvendo
E me tomando, mais fel do que o fel,
Que eu tenho medo de abrir os meus olhos
E a mente a uma surpresa horrível,
E sinto meu ser quase em supressão
Num horror além da Imaginação.
Mais do que a mais cobarde das feras
Diante do raio em que o céu se fen
Mais do que o ébrio na sua aflição
Que tem visões que o temor transcende,
Mais do que o medo pode conceber,
Mais que a loucura pode fazer crer,
Mais do que o nem sequer imaginado,
O mistério de tudo, o seu sentido
Quando em mim, em plenitude vislumbrado,
Faz aterrar meu ser enlouquecido.
Não fales — não há palavra a ser dita —
Não, nem a sombra dessa sensação,
Da corda da sanidade partida
Em mim, na angústia daquele momento
E na intensidade da negação;
Não penses, não é capaz o pensar
De um tal horror poder expressar.
A mínima coisa fica terrível
E sublime o ínfimo pensamento —
Tudo no mundo fica mais horrível
Do que o sentido da alma do tempo,
Do que o medo da morte profunda,
Do que o remorso em que o crime se afunda.
É como que trazer o conhecimento
De que o mistério é só um jogo tolo.
Contudo se assim o viessem trazer,
Morto estaria o meu pensamento
E morto, como tudo, todo o meu ser:
É isto o que os homens sabem nomear,
Olhando o rosto de Deus, grosseiramente.
E esse sentir pode mais que mutilar
O espírito, mais que embrutecer;
Ele mataria total e prontamente,
Com um susto nem no inferno provado,
Mais do que do terror é conhecido,
Mais do que do medo é imaginado.
1907
In “Poesia”
Edição e tradução de Luísa Freire
Assírio & Alvim – 1999
Alexander Search
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