REGRESSO AO LAR
Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh, a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!...
Trago de amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!...
Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!...
Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...
Canta-me cantigas manso, muito manso...
tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!
In “Os Simples”
Guerra Junqueiro
(1850-1923)
ESSA VELHA CIÊNCIA…
Essa velha ciência, a de esperar, escreve-la
em cadernos retirados a cada viagem. Neles
anotaste os movimentos do mundo, o balanço
do mar. São só velhos, os cadernos; ainda
escreves à mão, ainda respiras por ele,
ciência antiga - onde a conservas? Linha
a linha as viagens vão passando por eles como
um mapa: aqui as ilhas, ali pequenos continentes,
provas de que o mundo não acaba à tua porta
quando o jardim desaparece entre os granitos.
Levantas a voz uma vez por outra, mas não é
isso que te interessa. Gostavas apenas que
os cadernos ficassem, gravados de ti e de quem amas,
guardados em gavetas, guardando o mundo.
In “O Puro e o Impuro”
Quasi Edições
Francisco José Viegas
(N.1952)
Ó SAUDADE DAS TREVAS
Ó Saudade das trevas
que hoje são luz.
Ó Saudade do silêncio
que é hoje canto.
Ó Saudade de nada
que é hoje tudo.
Ó Saudade da criança
que eu hoje sou.
Canto
porque fiquei em silêncio.
Vejo
já que na escuridão me perdi.
Sou
porque sei.
Cresci
já que parei.
E tudo é assim
para que
sem remédio
as trevas
o silêncio e o nada
sejam dentro de mim.
In “Estâncias Reunidas” (1977-2002)
Edições Quasi
António Cândido Franco
(N. 1956)
TERNURA
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...
Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
nde uma tempestade sobreveio...
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
In "Infinito Pessoal"
Guimarães Editores
David Mourão-Ferreira
(1927-1996)
NO DIA DE AMANHÃ
No dia de amanhã eu estarei acordada à minha espera.
NÃO QUERO QUE MAIS NINGUÉM ME ACORDE
SENÃO EU
Vou receber-me condignamente com todas as honras de um hóspede ilustre
Tomo um banho ou tomo um duche (não sei bem)
e ponho aquele vestido cor de luto eroticamente triste
À mesa ficarei sentada à minha direita (em sinal de respeito e educação) Vou falar sozinha de coisas que não existem Vou ter um sorriso social Hei-de falar do tempo do teatro do ballet da moda de Paris ou do último modelo do Toyota Vou ser cretina e idiota mas vou receber condignamente o meu hóspede ilustre - EU
No dia de amanhã eu estarei acordada à minha espera
e
NÃO QUERO QUE MAIS NINGUÉM ME ACORDE
SENÃO EU
In "Amor Geométrico"
Edição da Autora – 1979
Manuela Amaral
(1934-1995)
FADO
Música triste
desenganado
canto nocturno
a pouco e pouco
vai penetrando
meu coração
Nocturna prece
ou pesadelo
não sei que sombra
aquele canto
em mim deixou.
Febre ou cansaço?
Não sei! Nem quero.
Lúgubre pranto
de roucas vozes
não tem beleza
– só emoção.
É como um eco
de noites mortas
de vidas gastas
ao deus dará.
Mas eu o recebo
dentro de mim.
Entendo. Choro.
Eu o recebo
Como um irmão.
In "Heras e Eras"
Adolfo Casais Monteiro
(1908-1972)
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