LEMBRANÇAS DO FUTURO
Traz-me lembranças tristes o porvir,
mais do que as débeis luzes a jusante
acesas por consentidas saudades.
O pranto do homem é o menino perdido,
mas a criança que chora na margem
não se chora. Chora o homem:
só os poetas têm lembranças do futuro.
In "Memória consentida, 20 anos de Poesia 1959/1979"
INCM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Rui Knopfli
(1932-1997)
VIESSES TU, POESIA...
Viesses tu, Poesia,
e o mais estava certo.
Viesses no deserto,
viesses na tristeza,
viesses com a Morte...
Que alegria mereço, ou que pomar,
se os não justificar,
Poesia,
a tua vara mágica?
Bem sei: antes de ti foi a Mulher,
foi a Flor, foi o Fruto, foi a Água...
Mas tu é que disseste e os apontaste:
- Eis a Mulher, a Água, a Flor, o Fruto.
E logo foram graça, aparição, presença,
sinal...
(Sem ti, sem ti que fora
das rosas?)
Mortas, mortas pra sempre na primeira,
morta à primeira hora.)
Ó Poesia!, viesses
na hora desolada
e regressara tudo
à graça do princípio...
In "Pelo Sonho é que Vamos"
Edições Ática
Sebastião da Gama
(1924-1952)
ÉS A SEDE
Basta crer que és o mar
para me sentir barco ou falua
para ser peixe ou morrer
na rua
em excesso de azul
És a sede
que arde nos meus olhos
e não te sabia
In “Corpo de Abrigo”
Temas Originais - 2011
Edgardo Xavier
(N. 1946)
O QUE É A VIDA
A vida é fortaleza indefiendida,
Construída sobre quiméricas ilusões,
A vida é tragédia iludida,
Cheia de saber, maldade e ambições.
A vida é tão leve como a brisa
Que vem do mar em dias de calor;
A vida é estrada que se pisa,
Para alcançar o ódio e o amor.
A vida é uma chama que nos queima,
Que nos abrasa sem dó nem piedade;
A vida é nuvem só de fumo,
Que se desfaz no ar, na imensidade.
A vida é eterna brincadeira
Que a todos leva de mãos dadas,
A dançar em redor duma fogueira.
A vida é lindo conto de fadas!
A vida é puro cântico de Amor!
É musica tocada em doce arpejo.
A vida é perfume e graça de flor,
A vida é tão bela como um beijo!
A vida é escada que se sobe,
E que ainda ninguém a deu subida;
A vida é sonho que nos envolve,
E que a morte leva de vencida.
In “Pétalas ao Vento”
Antónia da Conceição Louro Dionísio do Rosário
(1927-1977)
A NOITE
À altura de todas as estrelas
coloco as mãos para tocar o vento.
A lua é um fascínio que deixa atónito
o meu corpo, e lhe dá um cheiro
de fêmea fecundada ; um fogo posto
a deixar um luar, pleno, detido nos meus olhos.
Passeio-me, longamente,
pelo lado mais insensato das palavras
e digo o nome do último pássaro nocturno,
como se nele repetisse um primeiro adeus,
tão súplice, tão magoado.
Um tango exausto sobe-me pelas pernas.
Há, na minha boca, uma rua silenciosa,
por onde se chega à fragilidade dos lábios.
In “Ortografia do olhar”
Editora Éter
Graça Pires
(N. 1947)
VAGABUNDO
E já sem alma, morto o sentimento
No seu destino incerto pelo mundo
Tem o amargo sorrir do vagabundo
Que despreza o seu próprio sofrimento.
E já não sente algum encantamento,
E não o aquece a luz do sol fecundo.
Morreu no seu olhar, triste e profundo,
O sonho que durou um só momento.
Existe na aridez da sua vida
Uma mágoa sem nome, incompreendida,
Que o faz tão só, seguindo para além…
É destino cruel não ser amado.
Mas sofre mais, é mais atormentado
Aquele que não pode amar ninguém.
In “Para além…“
Edição do Autor
Funchal - 1942
Florival de Passos
(1915-1989)
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