NAZARÉ (vila e praia)
Não a outra, mas essa: a que do Sítio nos aponta o ocidente
E depois outras rotas para todos os quadrantes:
a praia de dentro
o jardim de fora e do fundo da nossa pequena
silhueta
- morte que se negou.
A solidão da praia do Norte
o assombro da luz
que alimenta a penumbra
Tudo o que por alegria calamos num passo estugado e
um pouco temeroso
Não importa, dizias tu, além é o mundo e ouve-nos
- pequeno veraneante de roupas coloridas que a alguém entregou
sua voz seu segredo
seu nítido momento.
E agora
não a outra mas tu
a que não entra nessa história sagrada em que Ester
colocou seu cântaro perto do muro caiado
e que em Azarias achou seu derradeiro refrigério
A mão a asa perfeitamente modelada
e depois seu abalar para sempre, seu
trespassado e imperfeito corpo até à claridade
- bóias barcos refluir de vagas as máquinas
fotográficas ao ritmo do que de longe a serra da Pederneira
conserva e permite.
Não a outra mas tu
a que outrora vi entre céus e uma sombra fugaz
Meu íntimo refúgio igual a mil a cem a um apenas.
As flores os fogareiros para o trabalho do peixe a jorna entregue
a quem na memória retém surpresa e saudade
ou simplesmente no cimo da falésia avistou
horizontes ruas incólumes a escuridão das dunas.
In “Antologia Canto de Mar”
Colecção Bico da Memória
Biblioteca Municipal da Nazaré
Nicolau Saião **
(N. 1946)
** Pseudónimo literário/artístico de Francisco Ludovino Cleto Garção
NÃO ME PEÇAM RAZÕES...
Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos...
Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.
Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.
In "Os Poemas Possíveis"
Editorial Caminho
José Saramago
(1922-2010)
PARA ESCREVER O POEMA
O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.
O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.
O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.
Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.
Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.
Então, o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.
Mas um pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.
A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.
E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.
E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.
O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito.
In “A Matéria do Poema”
Publicações D. Quixote
Nuno Júdice
(N. 1949)
DECLARAÇÃO DE AMOR A UMA ROMANA DO SÉCULO SEGUNDO
Um dia passaste pelos meus versos
Como eu agora passo por diante destas esculturas
que não merecem mais que um apressado olhar
Mas na tua presença eu tenho de parar
dama desconhecida com certeza viva mais aqui
que no segundo século em Roma onde viveste
Moldaram-te esse rosto abriram-te esse olhar
decerto impressionante para que uns dezoito séculos mais tarde
te pudesse encontrar quem mais que tu morreu
mas te ama ó mulher perdidamente
Não mais te esquecerei hei-de sonhar contigo
sei que te conquistei e libertei
de qualquer compromisso que tivesses
Ninguém sabe quem eras nem eu próprio
não tens sequer um nome uns apelidos
nada se sabe acerca do teu estado civil
Sei mais que tudo isso porque sei
que atravessaste séculos na forma de escultura
só para um dia nós nos encontrarmos
Tenho mulher e filhos sou de longe
a lei é rígida e severa a sociedade
Não te importes mulher deixa-te estar
não penses não te mexas podes estar certa
de que me deste mais do que tudo o demais que me pudesses dar
pois para ser diferente de quem era
bastou-me ver teu rosto e mais que ver olhar
In “Transporte no Tempo”
Editora Presença
Ruy Belo
(1933-1978)
PEDRO DE SANTARÉM
Querida
rapariga
primitiva
que eu sou
fui
e hei-de ser
Minha
querida
rapariga
para ti
os girassóis
são giros
e giram
E
é o amor
que move
o Sol
que move
o girassol
E
é o girassol
que move
o Sol
Querida
rapariga
imperativa:
gira, Sol
gira, girassol
E
Deus
é
o girassol
In "César a César"
Edições &etc
Adília Lopes **
(N.1960)
** Pseudónimo de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira
SER FELIZ
Permaneço além de mim, muito além
Num sítio onde a felicidade sorri
Onde os dias são feitos de espuma
Onde a bruma se dissipou enfim
Sou asa, neste caminho de além
Que paz tem este azul da manhã!
Que sonho é este d’onde não acordo?
Que chama arde em mim…?!
Vivo? Sonho? O que é de mim?!
Começo? Fim? O que tenho em mim?
Encantamento, vejo olhos brilhantes
Ou será o meu contentamento?
Já não sei se sou mar ou sol
Mas sei que sou feliz!
In “O Tempo da Alma”
Chiado Editora
Cecília Vilas Boas
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