ÓPIO
Se o sofrimento, um dia,
Se mudasse em prazer,
Então eu sofreria
Da dor de não sofrer...
Ao ver o sofrimento
Gerar nova alegria,
Ainda em tal momento
Decerto eu sofreria...
Círculos Concêntricos
In "Poesia Completas de Anrique Paço D'arcos"
Colecção Biblioteca de Autores Portugueses
INCM - Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1993
Anrique Paço d'Arcos **
(1906-1993)
** Heterónimo de Henrique Belford Correia da Silva – Conde de Paço D’Arcos
NASCI PARA SER IGNORANTE
Nasci para ser ignorante
mas os parentes teimaram
(e dali não arrancaram)
em fazer de mim estudante.
Que remédio? Obedeci.
Há já três lustros que estudo.
Aprender, aprendi tudo,
mas tudo desaprendi.
Perdi o nome às Estrelas,
aos nossos rios e aos de fora.
Confundo fauna com flora.
Atrapalham-me as parcelas.
Mas passo dias inteiros
a ver um rio passar.
Com aves e ondas do Mar
tenho amores verdadeiros.
Rebrilha sempre uma Estrela
por sobre o meu parapeito;
pois não sou eu que me deito
sem ter falado com ela.
Conheço mais de mil flores.
Elas conhecem-me a mim.
Só não sei como em latim
as crismaram os doutores.
No entanto sou promovido,
mal haja lugar aberto,
a mestre: julgam-me esperto,
inteligente e sabido.
O pior é se um director
espreita p'la fechadura:
lá se vai licenciatura
se ouve as lições do doutor.
Lá se vai o ordenado
de tuta-e-meia por mês.
Lá fico eu de uma vez
um Poeta desempregado.
Se me não lograr o fado
porém, com tais directores,
e de rios, aves e flores
somente for vigiado,
enquanto as aulas correrem
não sentirei calafrios,
que flores, aves e rios
ignorante é que me querem.
In ”Cabo da Boa Esperança”
Ática Editora
Sebastião da Gama
(1924-1952)
SETEMBRO
agora o outono chega, nos seus plácidos
meneios pelas vinhas, um dos vizinhos passa
um cabaz de maçãs por sobre a vedação:
redondas, verdes, o seu perfume vai
dentro de quinze dias ser mais forte.
a noite cai mais cedo e apetece
guardar certos vermelhos da folhagem
e amarelos e castanhos nas ladeiras
de Setembro. a rádio fala no tempo variável
que vem aí dentro de dias. talvez caia
uma chuvinha benfazeja, a pôr no ponto certo
os bagos de uva. e há poalhas morosas, mais douradas.
aproveita-se o outono no macio
enchimento dos frutos para colhê-lo a tempo.
devagar, devagar. é mais doce no outono a tua pele.
In "Poesia 2001/2005"
Quetzal Editores
Vasco Graça Moura
(1942-2014)
SAUDADES...
Saudades de amor, são penas
Que nascem do coração...
E como as penas das aves,
Quantas mais, mais brandas são!
Meu coração fez um ninho
Como o das aves perfeito,
Juntando todas as penas
De que ele me encheu o peito...
E nesse ninho, a sonhar
Dorme, assim, horas serenas,
Como dorme um passarinho
Sobre o seu ninho de penas.
In " A Saudade”
Bernardo de Passos
(1876-1930)
A BILHA
1
Bilha: forma que se casa
Com o meu coração,
A dar-me, simples, a asa,
Como um menino a mão!
Bilha que serve, na mesa,
e espera, sobre a tolha,
Que a gente sinta a beleza
de quem trabalha...
Bilha: donzela que dançou,
Dançou tanto de roda,
E na «pose» que me agrada,
De repente ficou!
2
Bilha só para ver...
Parece uma rapariga
Que ninguém quer,
A mostrar a barriga!
Bilha: mais bela por servir,
Por nem sempre conter,
por se poder
Partir...
Bilha que trabalha, que serve,
Que se enche e esvazia
Com a água e com a sede
De cada dia!
3
Serás, bilha, só a terna
Parede feminina
Entre o espaço que te cerca
E o espaço que te anima?
Mas da própria condição
de só deveres conter
Água para beber
Se forma o teu coração!
In “No Reino da Dinamarca”
Editores Guimarães
Alexandre O'Neill
(1924-1986)
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