UMA CHAMA NÃO CHAMA A MESMA CHAMA
uma chama não chama a mesma chama
há uma outra chama que se chama
em cada chama que chama que chama pala chama
que a chama no chamar se incendeia
um nome não nome o mesmo nome
um outro nome nome que nomeia
em cada nome o chama pelo nome
que o nome no nome se incendeia
uma chama um nome a mesma chama
há um outro nome que se chama
em cada nome o chama pelo nome
que a chama no nome se incendeia
um nome uma chama o mesmo nome
há uma outra chama que nomeia
em cada chama o nome que se chama
o nome que na chama se incendeia
In “Versus-in-versus”
E. M. de Melo e Castro **
(N. 1932)
** Nome literário de Ernesto Manuel Geraldes
de Melo e Castro
CADÊNCIAS TRISTES
A João de Deus
Ó bom João de Deus, ó lírico imortal,
Eu gosto de te ouvir falar timidamente
Num beijo, num olhar, num plácido ideal;
Eu gosto de te ver contemplativo e crente,
Ó pensador suave, ó lírico imortal!
E fico descansada, à noite, quando cismo
Que tentam proscrever a sensibilidade,
E querem denegrir o cândido lirismo;
Porque o teu rosto exprime uma serenidade,
Que vem tranquilizar-me, à noite, quando cismo!
O enleio, a simpatia e toda a comoção
Tu mostras no sorriso ascético e perfeito;
E tens o edificante e doce amor cristão,
Num trono de bondade, a iluminar-te o peito,
Que é toda a melodia e toda a comoção!
Poeta da mulher! Atende, escuta, pensa,
Já que és o nosso irmão, já que és o nosso mestre.
Que ela, ou doente sempre ou na convalescença,
É como a flor de estufa em solidão silvestre,
Ao tempo abandonada! Atende, escuta, pensa.
E, ó meigo visionário, ó meu devaneador,
O sentimentalismo há-de mudar de fases;
Mas só quando morrer a derradeira flor
É que não hão-de ler-se os versos que tu fazes,
Ó bom João de deus, ó meu devaneador!
In “Cânticos do Realismos e Outros Poemas - 32 Cartas”
Edição Teresa Sobral Cunha
Relógio de Água Editores
Cesário Verde
(1855-1886)
PARA QUÊ, PERGUNTOU ELE
Para quê, perguntou ele, para que servem
Os poetas em tempo de indigência?
Dois séculos corridos sobre a hora
Em que foi escrita esta meia linha,
Não a hora do anjo, não: a hora
Em que o luar, no monte emudecido,
Fulgurou tão desesperadamente
Que uma antiga substância, essa beleza
Que podia tocar-se num recesso
Da poeirenta estrada, no terror
Das cadelas nocturnas, na contínua
Perturbação, morada da alegria;
In “A Terceira Miséria”
Relógio d’Água - 2012
Hélia Correia
(N. 1949)
TINHA DEIXADO A TORPE ARTE DOS VERSOS
Tinha deixado a torpe arte dos versos
e de novo procuro esse exercício
de soluços
Devo agora rever a noite que te oculta
como pude esquecer que de tal modo
teria de exprimir
tudo o que já esquecera e sopra sobre
mim
como numa planície o crepúsculo
Tinha esquecido a arte dos tercetos
e toda a
outra
mas fechaste-te nela e eu descubro
no seu esse veneno esse discurso
Devo pois ver de novo como muda
como os sinais da voz a noite que perdura
tu deitas-te eu ensino à minha vida
esse extinto exercício
In “Teoria da Fala”
Pub. Dom Quixote
Gastão Cruz
(N. 1941)
E POR VEZES
E, por vezes, as noites duram meses
E, por vezes, os meses oceanos
E, por vezes, os braços que apertamos
Nunca mais são os mesmos. E, por vezes,
Encontramos de nós em poucos meses
O que a noite nos fez em muitos anos
E, por vezes, fingimos que lembramos
E, por vezes, lembramos que, por vezes
Ao tomarmos o gosto aos oceanos
Só o sarro das noites, não dos meses
Lá no fundo dos copos encontramos
E, por vezes, sorrimos ou choramos
E, por vezes, por vezes, ah! Por vezes,
num segundo se evolam tantos anos.
In “Matura Idade”
Editora Arcádia
David Mourão-Ferreira
(1927-1996)
UMAS COISAS ATRÁS DE OUTRAS
Umas coisas atrás de outras
fixou na parede a tabuleta e lê-se
proibida a afixação
quem plantou aquela nespereira sabia o que fazia
agora há mais pássaros atrás das nêsperas
muito para além dos frutos alguém
escreveu numa parede do cais do sodré
a fatinha tem sida
aviso enorme
de enormidade
e ali perto outra inscrição
num prédio do corpo santo
paredes brancas povo mudo
In “Deitar a língua de fora”
Edições Língua Morta - 2012
Abel Neves
(N. 1956)
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Victor Oliv...
. Recordando... José Terra ...
. Recordando... Ana Luísa A...
. Recordando... Miguel Alme...
. Recordando... Lília da Fo...
. Recordando... Alexandre O...
. Recordando... Camilo Pess...