ODE À PAZ
Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História, deixa passar a Vida!
[Inéditos - (1985/1990)]
In “O Sol nas Noites e o Luar nos Dias”
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
Natália Correia
(1923-1993)
ÚLTIMO NATAL
Menino Jesus, que nasces
Quando eu morro,
E trazes a paz
Que não levo,
O poema que te devo
Desde que te aninhei
No entendimento,
E nunca te paguei
A contento
Da devoção,
Mal entoado,
Aqui te fica mais uma vez
Aos pés,
Como um tição
Apagado,
Sem calor que os aqueça.
Com ele me desobrigo e desengano:
És divino, e eu sou humano,
Não há poesia em mim que te mereça.
In “Antologia Poética”
Edição do Autor - 1981
Miguel Torga **
(1907-1995)
** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha
UM DIA
Um dia, serei folha ao vento
tapete dos teus passos
saudade ocre da luz.
Um dia, serei pássaro
e nas alturas
chegarei ao azul onde
silenciosos
dormem os teus sonhos.
Um dia, serei barco no teu enredo
e tumulto do teu sangue.
Um dia, navegarei a teu lado
até ao fim do amor.
In “Escrita Rouca”
Editora Insubmisso Rumor
Edgardo Xavier
(N. 1946)
JUNTO À ÁGUA
Os homens temem as longas viagens
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às vontades da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.
Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz da infância, que o teu silêncio me chamasse!
E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis,
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos
e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos na moldura.
Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.
(Um Sítio Onde Pousar a Cabeça)
In “Todas as palavras”
Poesia reunida
Assírio & Alvim
Manuel António Pina
(1943-2012)
POEMA DEDICADO A ANA PLÁCIDO - 1857
Querida, o teu viver era um letargo,
Nenhuma aspiração te atormentava;
Afeita já do jugo ao duro cargo,
Teu peito nem sequer desafogava.
Fui eu que te apontei um mundo largo
De novas sensações; teu peito ansiava
Ouvindo-me contar entre caricias,
Do livre e ardente amor tantas delícias!
Não te mentia, não. Sentiste-o, filha,
Esse amor infinito e imaculado,
Estrela maga que incessante brilha
Da alma pura ao casto amor sagrado;
Afecto nobre que jamais partilha
O coração de vícios ulcerado.
Não sentes, nem recordas, já sequer?
Quem deste amor te despenhou, mulher ?
Eu não! Se muitos crimes me desluzem,
Se pôde transviar-me o seu encanto,
Ao menos uma só não me recusem,
Uma virtude só: amar-te tanto!
Embora injúrias contra mim se cruzem,
Cuspindo insultos neste amor tão santo,
Diz tu quem fui, quem sou, e se é verdade
O opróbrio aviltador da sociedade.
In “Citações e Pensamentos de Camilo Castelo Branco”
Org. de Paulo Neves Silva
Casa das Letras
Camilo Castelo Branco
(1825-1890)
PRINCESA ENCANTADA
Formosa Princesa dormia ha cem annos;
Dormia ou sonhava... Ninguem o sabia.
Passavam-se os dias, passavam-se os annos,
E a linda Princesa dormia, dormia,
Dormia ha cem annos!
Em torno, sentadas, dormiam as Damas,
Cobertas de joias, cobertas de lhamas;
Com formas e aspectos de finas imagens,
Esbeltos e loiros, dormiam os pagens.
E ás portas de bronze, por terra halabardas,
Num somno profundo dormiam os guardas.
Lá fóra, na sombra dos parques discretos,
Nem aves gorgeiam, nem zumbem insectos.
As arvores sonham, na sombra dos poentes,
Immoveis, á beira dos lagos dormentes.
E as fontes que d'antes sonoras gemiam,
Somnambulas mudas, apenas corriam...
Um dia, de longe, de terras distantes,
Com pagens, arautos, donzeis, passavantes,
Bandeiras ao vento, clarins, atabales,
Echoando a distancia por montes e valles,
– Um principe, herdeiro d'um throno potente,
Com olhos suaves d'aurora nascente,
Excelso e formoso, magnanimo e moço,
– Correndo aventuras, num grande alvoroço,
Chegou ao Castello, que ha tanto dormia,
Como uma alvorada, prenuncia do dia...
E ao ver a princesa, sentada em seu throno,
N'aquelle profundo, extactico somno,
Tomado d'estranha, indizivel surpresa,
Na boca entreaberta da linda Princesa,
Tremendo e sorrindo, seu labio collou-se
N'um beijo, que ao labio a alma lhe trouxe.
Accorda a Princesa; despertam as Damas,
As faces ardentes, os olhos em chamas.
Despertam os Pagens, nos seus escabellos,
Com halos de fogo nos loiros cabellos.
Accordam os guardas; e, tudo desperto,
A vida renasce no parque deserto.
Suspiram as fontes; gorgeiam as aves,
Das áleas profundas nas sombras suaves.
As arvores tremem, no ar transparente,
Á brisa que sopra, como halito ardente.
Nas torres, os sinos repicam de festa;
O povo em choreias enchia a floresta...
E a linda Princesa, seus olhos fitando
No Principe excelso, sorrindo e còrando,
– «Sonhava comtigo...» Porque é que tardaste?
Mas já nesse instante, formando contraste,
Quando isto dizia, erguendo-se a medo,
A voz parecia trahir o segredo
De quem, num relance, talvez lamentasse
Que sonho tão lindo tão cedo acabasse!...
A linda Princesa sonhava ha cem annos,
E fóra do Sonho só há desenganos...
[mantém a grafia original]
In “Sol de Inverno”
Livrarias Aillaud e Bertrand - 1922
António Feijó
(1859-1917)
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