Quarta-feira, 30 de Novembro de 2016

Recordando... Adolfo Casais Monteiro

REALIDADE

 

A realidade é apenas

uma luz por dentro das coisas. Teia

em que se enreda o olhar que traz

dentro de si o amor do mundo.

Vaso que dá forma à

toalha líquida dos instantes. Suspensa

ponte sobre as margens do tempo.

Baste ao amor a adivinhação, ao sorriso

a presença de um sonho.

A luz floresce em qualquer parte.

 

In "Heras e Eras"

 

Adolfo Casais Monteiro

(1908-1972)

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Sexta-feira, 25 de Novembro de 2016

Recordando... António Botto

PASSEI O DIA OUVINDO O QUE O MAR DIZIA

 

Eu ontem passei o dia

Ouvindo o que o mar dizia.

Chorámos, rimos, cantámos.

Falou-me do seu destino,

Do seu fado...

 

Depois, para se alegrar,

Ergueu-se, e bailando, e rindo,

Pôs-se a cantar

Um canto molhado e lindo.

 

O seu hálito perfuma,

E o seu perfume faz mal!

Deserto de águas sem fim.

Ó sepultura da minha raça

Quando me guardas a mim?...

 

Ele afastou-se calado;

Eu afastei-me mais triste,

Mais doente, mais cansado...

Ao longe o Sol na agonia

De roxo as águas tingia.

 

«Voz do mar, misteriosa;

Voz do amor e da verdade!

- Ó voz moribunda e doce

Da minha grande Saudade!

Voz amarga de quem fica,

Trémula voz de quem parte...»

.........................................

 

E os poetas a cantar

São ecos da voz do mar!

 

In “As Canções de António Botto”

Ed. Presença – 1980

 

António Botto

(1897-1959)

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Sábado, 19 de Novembro de 2016

Recordando... Al Berto

RECADO

 

ouve-me

que o dia te seja limpo e

a cada esquina de luz possas recolher

alimento suficiente para a tua morte

 

vai até onde ninguém te possa falar

ou reconhecer - vai por esse campo

de crateras extintas - vai por essa porta

de água tão vasta quanto a noite

 

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te

e as loucas aveias que o ácido enferrujou

erguerem-se na vertigem do voo - deixa

que o outono traga os pássaros e as abelhas

para pernoitarem na doçura

do teu breve coração - ouve-me

 

que o dia te seja limpo

e para lá da pele constrói o arco de sal

a morada eterna - o mar por onde fugirá

o etéreo visitante desta noite

 

não esqueças o navio carregado de lumes

de desejos em poeira - não esqueças o ouro

o marfim - os sessenta comprimidos letais

ao pequeno-almoço

 

In "Horto de Incêndio"

Assírio & Alvim

 

Al Berto **

(1948-1997)

 

** Pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares

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Domingo, 13 de Novembro de 2016

Recordando... Manuela Amaral

TENHO A SAÚDE DOENTE

 

Tenho a saúde doente.

 

Tenho a barriga nos ombros

e a cabeça no ventre.

 

Tenho os pulmões nos ouvidos

e o coração está na boca.

 

Penso com os pés

com as mãos

 

e no meio da confusão

ando de pernas para o ar.

 

Tenho a saúde doente

 

por ser poeta

e ser louca.

 

In "Tempo de Passagem”

Editora Fora do Texto

 

Manuela Amaral

(1934-1995)

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Segunda-feira, 7 de Novembro de 2016

Recordando... Mário Cesariny

FAZ-ME O FAVOR...

 

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!

Supor o que dirá

Tua boca velada

É ouvir-te já.

 

É ouvir-te melhor

Do que o dirias.

O que és não vem à flor

Das caras e dos dias.

 

Tu és melhor - muito melhor! -

Do que tu. Não digas nada. Sê

Alma do corpo nu

Que do espelho se vê.

 

In "O Virgem Negra"

Assírio & Alvim

 

Mário Cesariny

(1923-2006)

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Terça-feira, 1 de Novembro de 2016

Recordando... João Rasteiro

A DANÇA DAS MÃES

 

Na beleza incurável das feridas

alimentam-se mães sem trégua.

Nos rios secos, batem e batem os corações

alimentados em sangue frio e espesso.

Que é lívido. Que procura as raízes.

O coração é um bicho estranho, que vai

caminhando gota a gota. E as feridas incautas

aproximam-se das mães, imprudentes ao peso

de cada sopro. O amor eternamente feroz.

E as feridas das mães, são cada vez mais belas.

O medo caminha violentamente mais perto,

no corpo, na cara, nas vértebras e no ventre

onde se abriga com seu volúvel volume,

o silencioso amor de mãe.

Sob a folhagem da água, mães cansadas

da aridez que as toca, incendeiam-se através

dos filhos. E os filhos, esse chumbo cravado

nas asas, esse projecto que sobre o mar se estende,

alimenta as feridas pelos tendões.

As mães debicam sobre a areia a sua rota clara,

até ao fim do mundo. Como pela última vez.

Sobre a montanha, um filho incorpora-se na beleza

incurável das feridas, enquanto mães tacteiam

a pedra, até ser flor.

Por vezes sangram e cantam, secam os olhos,

arrancam os sexos e em permanente luta, corpo

a corpo, o amor estende-se, mas os gestos

são frios, neste caminhar obsceno

de pessoas sem frutos. Há-de caber numa gota,

todo o tempo, todo o amor, de uma vida sem história.

 

In “No Centro do Arco”

Palimage

 

João Rasteiro

(N. 1965)

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