VEIO TER COMIGO HOJE A POESIA
Veio ter comigo hoje a poesia.
Há quantos anos? Desde a juventude.
Veio num raio de sol, num murmúrio de vento.
E a ilusão que me trouxe de uma antiga alegria
reinventou-me a antiga plenitude
que já não invento.
Fazia-lhe outrora poemas verdadeiros
em fornicações rápidas de galo.
Hoje não sou eu nunca por inteiro
e há sempre no que faço um intervalo.
Estamos ambos tão velhos — que vens fazer?
— a cama entre nós da nossa antiga função.
Nublado o olhar só de a ver.
E tomo-lhe em silêncio a mão.
In “Conta-Corrente 1”
Livraria Bertrand - 1981
Vergílio Ferreira
(1916-1996)
APODERAVA-SE DAS MINHAS PALAVRAS
Apoderava-se das minhas palavras
como se fossem uma toalha do seu rosto
alguns utensílios reservados para a sua vida.
Eu escrevia casa e a casa teria de ser a defesa do nosso amor.
Eu escrevia cama e a cama transformava-se num jogo de silêncio.
Vivia por trás da minha escrita
como se preenchesse a alma de tudo o que não entendia.
Queria que eu mobilasse a vida só com palavras
breves imagens que fossem o retrato do meu pensamento.
Eu proporcionava-lhe a felicidade como um enigma
em cada palavra um sentimento formalmente virtual
depois abandonava-a com a ilusão do espaço decorativo.
In “Área Afectada”
Editora Temas Originais - 2010
Fernando Esteves Pinto
(N. 1961)
METAFÍSICA
Foi em Taipé.
Se bem me lembro, a 3 de Outubro.
Nas árvores o sol crescia devagar.
Entrámos num dos templos da cidade
e era quando os crentes fazem as suas oferendas.
Uma monja revestida de amarelo oficiava
e o fumo dos pivetes enlaçava-se
na música dos sinos e dos címbalos.
Nunca vi em parte nenhuma uma monja tão bela
e os seus gestos oficiando eram belos como ela.
Na música transportava-me não ao céu
mas aos braços da monja erguidos
maduros e redondos para o amor.
Sobre um estrado recebendo as bênçãos
vi comidas que só os chinas sabem oferecer a deuses
e que pelos deuses abençoadas eles retomam, e comem.
Mas sobretudo vi um cacho de bananas
cor de ouro, enormes, sardentas.
Quando saí não pude deixar de comprar bananas,
que logo amorosamente devorei.
E por isso ainda hoje penso na monja de amarelo,
nos gestos que fazia oficiando.
Nunca mais voltarei a Taipé
nem comerei bananas como aquelas.
Que a vida é assim, amigos:
recordar, por exemplo, a beleza de uma monja
e um cacho de bananas
e contentarmo-nos depois com o que temos
onde não temos nada disso.
In “Corografias” - 1985
Perspectivas & Realidades
Pedro da Silveira
(1922-2003)
OLHOS NOS OLHOS...
Vamos conversar…
Vamos falar, por vezes, sem falar…
Olha bem no fundo do meu olhar
e descodifica o que há para decifrar
nos mistérios que em mim residem.
Despe a minha alma e lê o meu corpo,
segue-lhe os sinais que não fui a tempo de desvanecer,
aprecia muito mais o que sentires
do que aquilo que a visão te oferecer…
despe-me o corpo e lê-me a alma,
rasga os tecidos desprotegidos
e tenta encontrar algo já esquecido
nas artérias e veias que mapeiam a minha pele…
Suaviza e eterniza este momento,
cristaliza as gotículas do salgado suor
que da minha fronte se desprenderão
como chuva quente no Verão,
para a concha da palma da tua mão
e faz delas parte dos teu segredos,
guarda-as como cristais diamantizados,
em valiosos quilates lapidados…
Quando, por fim, eu estiver descodificado
na imensa enciclopédia dos termos sem significado,
fala-me, finalmente, das coloridas paisagens
que tão ansiosamente em mim desbravaste,
das empolgantes e subtis panóplias de imagens
que por todo eu em tela de linho pintaste
e dá-me um pouco do teu valioso tempo
para continuarmos neste doce momento…
Vamos conversar…
deixa-me olhar bem no fundo do teu olhar
e descodificar o que há para decifrar
nos mistérios que em ti residem…
Permite-me despir-te a alma e ler o teu corpo…
In "Sou Teu"
Chiado Editora
Vítor. C **
(N. 1956)
** Nome literário de Vítor Costeira
UM MALMEQUER
Uma a uma cortei
do malmequer
as pétalas macias
não pra saber
se bem ou mal me queres
mas pra sentir nos dedos
a seda do teu corpo.
In "Depois de Amanhã"
Editora Campo das Letras - 2003
Edgar Carneiro
(1913-2011)
INTIMIDADE
A um floco de nuvem
murmurei segredos
que se tornaram
doces palavras de Amor
sopradas aos ouvidos do tempo…
É assim a magia
de contigo estar
em todos os momentos…
e em cada desencontro
Procuro-te…
recebo o teu braço na brisa,
o teu sorriso na luz,
a tua palavra em cada linha traçada
e assim… naturalmente
se tecem todos os encontros
In “No Leito do Meu Pensamento”
Editora Universus
Ana Fonseca
(N. 1972)
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