MANHÃ
Oh, a frescura intensa da manhã,
Batendo, lado a lado, toda a estrada!
– Inda ha pouco apanhei uma braçada
De alfazema florida, ingenua e sã...
Abre, no céu, a fulgida romã
Que em beijos de oiro se desfaz, cançada,
Oh, como eu sinto agora remoçada
A minha fé tranquilla de christã...
Nos silvados despontam as amoras.
Começa, ao longe, a vibração das nóras,
Todo o campo se alegra e se ilumina!
Passam pardaes a granizar em bando,
Um rebanho, um pastor, de quando em quando,
– E cheira a matto, a fructos, a resina...
In “Contemporanea”
Director – José Pacheco
Redactor Principal – Oliveira Mouta
Editor – Agostinho Fernandes
Ano I – Volume II – Nº.6 - Ano 1922
Pág. 93
Mantém a grafia original
Virgínia Victorino
(1895-1968)
PERDI AS MÃOS POR TÃO POUCO
Perdi as mãos por tão pouco.
Por uma gota da água dos teus olhos,
pelo rumor na tua boca,
pelo ciciar dos ventos nas muralhas.
perdi as mãos por tão pouco…
Ficou-me a fome na boca,
fome de quem nada deseja
para além da antemanhã.
Acho um a um os meus dedos
delgados, ventos nos cabelos,
as palmas das mãos tão sulcadas,
tão leito onde as águas se demoram.
Com as minhas mãos perdidas
encontro branca
a nudez das tuas.
Com elas brinca
a fragrância da madrugada.
In “Parto com os Ventos”
Kreamus Editora
Lília Tavares
(N. 1961)
O VALOR DAS PALAVRAS
Penso Liberdade, Esperança...
Palavras que possuem tua cor,
teu ritmo, identifico-as
com o teu rosto. Nelas
me reconheço.
E sou livre
e espero.
Penso palavras que erguem
a claridade. Respiro-as
com o vento, o cheiro da resina.
Macias pestanas que auxiliam
a acordar sem fadiga. Laranjas
que eliminam a sede.
Sorris-me
e acordo.
In “Memórias de Setembro"
Edição Notícias do Bloqueio
Egito Gonçalves
(1920-2001)
A DESPEDIDA
Três modos de despedida
Tem o meu bem para mim:
- «Até logo»; «até à vista»:
Ou «adeus» – É sempre assim.
«Adeus», é lindo, mas triste;
«Adeus» … A Deus entregamos
Nossos destinos: partimos,
Mal sabendo se voltamos.
«Até logo», é já mais doce;
Tem distancia e ausência, é certo;
Mas não é nem ano e dia,
Nem tão-pouco algum deserto.
Vale mais «até à vista»,
Do que «até logo» ou «adeus»;
«À vista», lembra, voltando,
Meus olhos fitos nos teus.
Três modos de despedida
Tem, assim, o meu Amor;
Antes não tivesse tantos!
Nem um só… Fora melhor.
In “Antologia Poética”
António Correia de Oliveira
(1879-1960)
É DO PRINCÍPIO DAS TARDES
É do princípio das tardes
do sol das tardes
das janelas abertas
das cigarras
e é do sol a entrar pelas janelas
da sua incidência nas cristaleiras
nas maçãs e nos jarrões,
é das iluminadas peças de bronze
do segundo plano das aguarelas
das mais à sombra fotografias da família
que eu saio
durante as horas paradas
para escrever poesia
In "O Valete do Sétimo Naipe"
Felício & Cabral Editores 1994
Daniel Maia-Pinto Rodrigues
(N. 1960)
SILÊNCIO É UMA PALAVRA IMPOSSÍVEL
Silêncio é uma palavra impossível.
Não corresponde a nenhuma realidade.
Não há silêncio no cosmos
nem em cada um de nós.
Numa sala sem eco,
entre sete paredes de cimento isolante,
ouve-se ecoar a circulação
do nosso próprio sangue.
In “Raspar o fundo da gaveta e enfunar uma gávea”
Averno
António Barahona
(N. 1939)
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