SAUDADE DO TEU CORPO
Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?...
Anda a saudade do teu corpo (sentes?...)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que não mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado...»
É o teu corpo em sombra esta saudade...
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar é escuridade...
Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra...
Vês?! A saudade é um escultor antigo!
In “Poesia Completa”
Assírio e Alvim - 1989
António Patrício
(1878-1930)
GRÂNDOLA, VILA MORENA
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
In ”Textos e Canções”
Relógio d’Água Editores
José Afonso
(1929-1987)
ESTA SEDE DE QUEM BEBE
... esta sede de quem bebe
o acto apenas de beber
... insaciável fonte!...
nada mais-me nu...
que este ter-que-ser que sou
... e me espero ao fim!...
... o limiar de cada coisa
por que passo adentro em mim
... num vaivém fraterno!...
... este rio-enchente
de loucas fúrias amores
... que de mim faz Voz!...
... a melancolia
de quem sofre até à loucura
... sem que nelas tombe!...
mesmo que não o quisesse.
- e não nunca o quererei -
meu destino é sê-lo!
A Sabia Ignorância
In “Haï-Cantos” Volume XI
Instituto Piaget
A. Oliveira Cruz
(N.1945)
A ALMA
Votada ao fogo obediente ao perigo
Feroz do amor ser muito e o tempo pouco,
Chegas ébrio de sonho, ó estranho amigo
E eu não sei se por mim és anjo ou louco.
Num beijo infindo queres morrer comigo.
Nesse extremo és sagrado e eu não te toco.
Esquivo-me: o teu sonho mais instigo.
Fujo-te: a tua chama mais provoco.
A incêndio do teu sangue me condenas
E com ciumentas ervas te envenenas
Dizendo às nuvens que só tu me viste.
Bebendo o vinho de amantes mortos queres
Que eu seja a mais prateada das mulheres.
E de ser tão amada eu fico triste.
In “Sonetos Românticos”
Editora "O Jornal” 1990
Natália Correia
(1923-1993)
DESAVINDA
Desordenada comigo
oponho o corpo ao destino
como quem veste o vestido
e o despe em desatino
Desavinda com o sossego
ponho a nudez onde acendo
o grito do meu prazer
que ora prendo ora desvendo
In "Poesia Reunida"
Publicações Dom Quixote - 2009
Maria Teresa Horta
(N. 1937)
MISSAL DO POENTE
Às tardes. Cai o sol por trás de Santa Clara,
numa rubra explosão hilariante de cores:
pelo Mondego azul, passam barcos à vara,
onde, a cantarolar, avisto os Pescadores.
Do céu pérola, onde há uns laivos purpurinos,
cai uma doce luz, pacífica, serena...
Os choupos cortam no ar uns rendilhados finos,
transparentes, subtis, como um desenho à pena.
E, enquanto a Lua vem branqueando no horizonte,
o comboio, a correr, passa na velha ponte,
surge de entre um maciço escuro de salgueiros.
E eu, tristemente, como um solitário monge,
lembro a Pátria, a Família, os meus Amigos longe
e, com saudade, agito o lenço aos passageiros!
In "A saudade na Poesia portuguesa"
Portugália Editora - 1967
Alberto de Oliveira
(1873-1940)
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