CANTA. BUSCA NA VIDA O QUE É PERFEITO
Canta. Busca na vida o que é perfeito.
Olha o sol e não queiras outro guia.
Sonha com a noite e absorve, aspira o dia,
tal uma flor que te florisse ao peito.
Da terra maternal, faz o teu leito.
Respira a terra e bebe o luar. Confia.
Faz de cada pena uma alegria
e um bem de cada mal insatisfeito.
Colhe todas as flores do jardim,
todos os frutos do pomar e enfim
colhe todos os sonhos do universo.
Procura eternizar cada momento,
Fecha os olhos a todo o sofrimento
E terás feito a carne do teu verso.
In “Daquém e Dalém Alma”
Editorial Império
Fernanda de Castro
(1900-1994)
SEMPRE
sempre que uma praia se levanta
és sempre tu que me tocas
e sempre tu quem aceita o sorriso
é sempre o sol embrulhado em terra pura
e sempre pura a voz que a terra canta
porque se ouvires a água na pedra
a água que sempre nos meus lábios sabe a ti
se ouvires a água na pedra tens a lua
a manhã o cereal de espuma que não pára de crescer
nos lábios teus que a água dos meus conhece
como o sol procura o dia e sempre acha a noite
e é na noite que sempre te digo
que sempre te juro as mãos enormes
e levanto a praia que tu levantas
quando sempre acordamos
e na nossa nudez se esconde a noite
em que lábios nos lábios criámos o mar
In "Um Mover de Mão"
Assírio & Alvim
Vasco Gato
(N. 1978)
CIGANO
Exibes duas facas nessa mão,
pequeno saltimbanco duma feira.
Cravaste-as no meu pobre coração,
enquanto, distraída, a brincadeira
seguia, como as linhas do Alcorão,
do meu livro sagrado que a carneira
do Sonho emoldurou com perfeição,
mas que dentro é mais fútil que esta feira...
Cigano pequenino, de mãos magras,
onde eu pressinto uma revolta acesa,
atinge mortalmente esta aspereza
que reina na minh' alma, em suas fragas!
Acrobata cigano, de olhar triste,
espero a tua lança sempre em riste!
In “Atrás do Tempo”
Coimbra Editora - 1962
Isabel Gouveia **
(N. 1930)
** Nome literário de Isabel Pereira Mendes
FALSA PARTIDA
Ainda estranho o lugar quando acordamos
no revés de já ser outro
o dia
porque espelhas o tempo à janela é
à face de teu rosto que decido
o que vestir.
O vento que molda a praia
é de todas as bandeiras:
há um silêncio talhado à substância do quarto
(o chão de madeira matiza o
frio que força uma fresta)
podia apostar comigo: hoje
de madrugada
um cão ladrou na voz do galo.
O meu sobrenome segue-te
pela véspera da casa
(fim de emissão no ecrã
cálices
meio hasteados) a
chuva desistiu de apagar o nosso amor embaciado
pelo lado negativo.
Tornas à cama e abres
aquele romance de sempre
(o descanso existe
noutro cansaço).
In “Poesia Reunida”
Quetzal - 2011
João Luís Barreto Guimarães
(N. 1967)
METAMORFOSES DA CASA
Ergue-se aérea pedra a pedra
a casa que só tenho no poema.
A casa dorme, sonha no vento
a delícia súbita de ser mastro.
Como estremece um torso delicado,
assim a casa, assim um barco.
Uma gaivota passa e outra e outra,
a casa não resiste: também voa.
Ah, um dia a casa será bosque,
à sua sombra encontrarei a fonte
onde um rumor de água é só silêncio.
In “Ostinato Rigore”
Assírio & Alvim
Eugénio de Andrade **
(1923-2005)
** Pseudónimo de José Fontinhas
WORDS, WORDS...
Ao Guedes Teixeira
Contam que em pequenino costumava,
Ao ver-me num cristal reproduzido,
Beijar a própria boca, em que julgava
Ver a boca de alguém desconhecido
Cresci. Amei-a. E tão alheio andava,
No sonho por seus olhos promovido,
Que em vez de cartas que ela me enviava,
Eu lia o que trazia no sentido...
Rodou o tempo. Estou doente e velho...
Agora, se me acerco dum espelho...
Oh meus cabelos, noto que alvejais...
E as cartas dela, se as releio agora,
Só vejo por aquelas linhas fora
Palavras e palavras... Nada mais!
In “Versos” [1898]
Ulmeiro - 1981
Augusto Gil
(1873-1929)
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