As Tuas Cartas
Amor, quando recebo carta tua,
Rasgando o envelope apetecido,
Tenho a impressão que te tiro o vestido
E que tu me apareces toda núa.
Antonio Ferro
As tuas cartas, são pedacinhos de ti
Que a pouco e pouco vaes metendo no correio
E que eu vou recebendo e vou guardando, aqui
Neste cofre de amor: – Meu coração já cheio…
Por elas passa o Espaço, emquanto andam na mão
Daqueles para quem de nada valem, creio.
– Papeis brancos, postais, cartas que vêm, que vão,
Nessa imensa Babel das malas do correio.
Ao receber porêm a carta ha tanto espr’ada
Sinto que és tu que vens! – Aquela carta é tua…
E a tua alma tambem lá dentro vem fechada!...
Abro a carta… sorrio… Tua alma inda fluctua…
Mas não a posso lêr… Lá dentro não traz nada!
……………………………………………………… .
Quem sabe se eras tu aquela carta núa?!
1915
In “Alma Nova” – Publicação Mensal
II Série – Dezembro de 1915 – Nº 13
Editora – Empresa de Publicidade “Ressurgimento”
Fernando Carvalho Mourão
(1894 - 1951)
Mantem a grafia original
NATAL É QUANDO UM HOMEM QUISER…
Tu que dormes à noite na calçada do relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher”
In “Obra Poética”
Edições Avante
José Carlos Ary dos Santos
(1937 - 1984)
O MAR
III
Vae-se acclarando agora o firmamento,
E azulando-se o mar co’a luz nascente
Do primeiro, tenuissimo crepusculo.
Eil-a que assoma, despontando apenas
C’os roseos dedos, a formosa aurora
Vem brandamente a desparzir no polo
As roxas, lindas flores, rociadas
Do matutino, bemfazejo orvalho,
Talvez por mãos dos zephyros colhidas
Nos jardins Ulysseos, nas brandas veigas
Ao remanso do placido Mondego...
Talvez ontem ainda a minha amada
Lhe respirasse o lisongeiro aroma...
Oh! recolhei-as, amorosas filhas
Do placido Nereu, ide nos collos
Dos Tritões namorados, ide ao Tejo
E ao manso rio que ingrossaram prantos
Da malfadada Ignez, ide, levae-lh’as
Aos do meu coração, o amigo, a amante:
Dizei-lhes que eu, eu sou que vos invio.
Que depóz vós o coração me foge,
E que so vivo nas memorias delles.
Ide ligeiras, sim, correi, à nynphas...
Mas oh! do patrio meu Douro sombrio
Ai! não, não vades demandar as praias...
Amargosa e cruel me veda a sorte
Recordal-o sem dor... Ferreas angústias
Lá misero soffri... lá n’este peito
Verteu perversa mão do deus dos males
Quanto fel espremeu do peito ás furias,
Quanto veneno lhe escumou dos labios.
A ingrata... Ah! nunca mais me lembre o Douro:
Suas riquezas para si que as guarde.
Suas aguas turvas impetuoso as role
Por entre as calvas penedidas brutas
Que a lobrega torrente lhe comprimem:
Va, que a mim saudades não m’as deixa:
So tormentos me deu, não posso amal-o…
In “Flores sem Fructo” - Livro Primeiro
Imprensa Nacional – 1845
Almeida Garrett
(1799 - 1854)
Mantem a grafia original
A CASA, AO LADO DO RIO
São muitos os caminhos que levam ao rio,
à relação maior com o movimento do mundo.
Abrem-se algumas vozes de demoradas cores:
amoras, cerejas, romãs, cachos de glicínias.
A casa é pequena - tão só, entre as árvores e
tocada pelo vento que chega do lado das maçãs,
depois de atravessar o pequeno souto que guarda
a encosta. Mas a casa pequena recebe a luz do rio
e da corrente sem limite que respira do incerto.
Tudo respira do incerto - gozo puro de correr
aberto à matéria da matéria, ao sopro sem nascente
que atravessa o próprio ar e vive de poder viver.
Como as crianças trazem nos olhos o desequilíbrio
da inocência, assim se vestem os cantos da casa
onde tudo é imperfeito: - ao lado do rio, quatro ângulos
de musgo esperam a dança das grandes correntes.
Chegam as aves, no fim da tarde, para descansar do dia.
As cidades estão longe e a tristeza do mundo transforma-se
nessa aceitação do vento e do musgo, da casa e da corrente.
Tudo flui para o lugar de onde nascem todos os silêncios.
In “A terra e os Dias”
Pedra Formosa Edições
Firmino Mendes
(N. 1949)
O ANJO DE PEDRA
Tinha os olhos abertos mas não via.
O corpo era todo saudade
De alguém que o modelara e não sabia
Que o tocara de maio e claridade.
Parava o seu gesto onde pára tudo:
No limiar das coisas por saber
- e ficara surdo e cego e mudo
Para que tudo fosse grave no seu ser
In “As Mãos e os Frutos”
Editora Limiar – 9.ª Edição – 1980
Eugénio de Andrade **
(1923 - 2005)
** Pseudónimo de José Fontinhas
MARCAS, OLHANDO OS DEDOS NÚS
Heráldicas safiras, que vos fiz?
Esmeraldas d’esperança, onde vos puz?
De astrais brilhantes, que é da casta luz?
E onde sangrais, meus bélicos rubís?
Perdi-vos para sempre! A sorte o quiz!
Choram por vós meus pobres dedos nús…
Como um vitral precioso nos seduz
De Laura o lacteo corpo onde fulgiz!
Tudo o que eu tinha, Amor, tudo te dei,
Sou pobre como Job e como um Rei
Fui pródigo de Bens e d’Honrarias!...
Hoje… - ai de mim!... Quizera reaver
Meu coração, que tu levaste, a arder,
Por entre coruscantes pedrarias!
Agosto de 1920
(Do livro inédito: Alguns Sonetos)
Mantém a grafia original
In “Alma Nova” – Publicação Mensal
IIIª Série – Maio/Junho de 1922 – Nº 2
Editora – Empresa de Publicidade “Ressurgimento”
Alfredo Vítor de Salema Vaz
(1893 -1939)
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