Sábado, 31 de Outubro de 2015

Recordando... Alexander Search

CONVERSA FAMILIAR

 

Minha velha amiga, Desilusão,

Tinha-me esquecido que estavas aqui.

Perdoa-me. Tentando a desolação

Enganar, quase que fingi,

Perdoa, que tinhas ido embora.

Tu, amiga fiel, estás comigo agora!

 

Desespero, companheiro de velhos tempos,

Em ti também — embora não olvidado

— Numa espécie de pausa — por momentos

Terei talvez menos pensado.

Esquecer-te inteiramente não consigo.

Amigo, que estás aqui comigo!

 

E tu, velha companheira, Solidão,

De afecto e esperança carente,

Tu, minha gémea — não seria incorrecção

Se deixasse de parar ‘a tua frente

P’ra jogarmos com o medo e o cuidado?...

Por que vens, ó choro, deixar-me envergonhado?

Não quero mais isso, lágrimas não.

 

In “Poesia”

Edição e tradução de Luísa Freire

Assírio & Alvim - 1999

 

Alexander Search

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888 - 1935)

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Domingo, 25 de Outubro de 2015

Recordando... José Simões Dias

TEU LENÇO

 

O lenço que tu me deste

Trago – o sempre no meu seio,

Com medo que desconfiem

Donde este lenço me veio.

 

As letras que lá bordaste

São feitas do teu cabelo;

Por mais que o veja e reveja,

Nunca me farto de vê-lo.

 

De noite dorme comigo,

De dia trago – o no seio,

Com medo que os outro saibam

Donde este lenço me veio.

 

Alvo, da cor da açucena,

Tem um ramo em cada canto;

Os ramos dizem saudade,

Por isso lhe quero tanto.

 

O lenço que tu me deste

Tem dois corações no meio;

Só tu no mundo é que sabes

Donde este lenço veio.

 

Todo ele é de cambraia,

O lenço que me ofereceste;

Parece que inda estou vendo

A agulha com que o bordaste.

 

Para o ver até me fecho

No meu quarto com receio,

Não venha alguém perguntar-me

Donde este lenço me veio.

 

A cismar neste bordado

Não sei até no que penso;

Os olhos trago – os já gastos

De tanto olhar para o lenço.

 

Com receio de perdê-lo

Guardo – o sempre no meu seio,

De modo que ninguém saiba

Donde este lenço me veio.

 

Nas letras entrelaçadas

Vem o meu nome e o teu;

Bendito seja o teu nome

Que se enlaçou com o meu!

 

Por isso o trago escondido,

Bem guardado no meu seio,

Com medo que me perguntem

Donde este lenço me veio.

 

Quanto mais me ponho a vê – lo,

Mais este amor se renova;

No dia do meu enterro

Quero levá-lo p'ra cova.

 

Vem pô-lo sobre o meu peito,

Que eu hei-de tê-lo no seio;

Mas nunca digas ao mundo

Donde este lenço me veio.

 

In "Peninsulares" - 1876

 

José Simões Dias

(1844 – 1899)

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Segunda-feira, 19 de Outubro de 2015

Recordando... António Salvado

A ETERNA AUSÊNCIA

 

Eu aguardei com lágrimas e o vento
suavizando o meu instinto aberto
no fumo do cigarro ou na alegria das aves
o surgimento anónimo no grande cais da vida  
desse navio nocturno
que me trazia aquela com lábios evidentes
e possuindo um perfil indubitável,
mulher com dedos religiosos
e braços espirituais...


Aquela mulher-pirâmide 
com chamas pelo corpo
e gritos silenciosos nas pupilas.

Amante que não veio como a noite prometera
numa suspensa nuvem acordar
meu coração de carne e alguma cinza...

 

Amante que ficou não sei aonde
a castigar meus dias involúveis
ou a afogar meu sexo na caveira
deste carnal desespero!... 

 

In "A Flor e a Noite" (1955)

 

António Salvado

(N. 1936)

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Terça-feira, 13 de Outubro de 2015

Recordando... José Duro

O MEU AMIGO

 

Elle era um doido bom, um doido visionário

Que andava quasi sempre d’olhos rasos d’agua,

E, ás vezes, costumava a soluçar, com magua,

A lenda original d’um Fado extraordinário...

 

Entrava na taberna assim que anoitecia,

Bebia só absintho e nunca se fartava,

D’ahi, quem sabe lá se no absintho achava

Um meio de esquecer a dôr que o opprimia...

 

Amava a côr do lucto e odiava a côr do ouro.

E é certo que deixou – estranho typo aquelle! –

Poemas de nevrose em que só punha Chôro...

 

E eu, que desejo ser o que ninguém deseja,

Julguei-me, por ventura, um doido como elle...

Que um doido já eu sou, embora não no seja!

 

(mantem a grafia original)

 

In “Fel (97/98) ”

Empreza Litteraria Lisbonense

Libânio & Cunha Editores - 1898

 

José Duro

(1875 - 1899)

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Quarta-feira, 7 de Outubro de 2015

Recordando... Pedro Oom

IDADE SEM RAZÃO

 

Os animais

cuja vivência

são as visitas

que todos temos feito

às girafas

ou o crocodilo

bastam para romper

a fascinação

idade

cartesiana

tanto

do direito

como do avesso

 

In "Actuação Escrita"

Editora & etc - 1980

 

Pedro Oom

(1926 - 1974)

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Quinta-feira, 1 de Outubro de 2015

Recordando... João Coelho dos Santos

COISAS DO AMOR

 

Se sentes o rosto corar

E o coração louco bater,

Se tens ânsia de estar

E imperativo de viver

- Isso, são coisas do amor.

 

Se na escuridão vês beleza

E captas o encanto

Do trinar do rouxinol,

Se te apaixonas tanto

No ocaso, como no nascer do sol

- Isso, são coisas do amor.

 

Se gostas de ver o regato

A deslizar em cascata

E branco cisne no lago

Por sob o luar de prata,

Se captas raios de luz

Na ramagem colorida,

Se a mensagem de Jesus

É fonte viva de vida

- Isso, são coisas do amor.

 

Se escutas a melodia

Que te rodeia, na natureza,

Se crês na profecia

De horóscopo ou da sina,

Se gostas de vela acesa

- Isso, são coisas do amor.

 

Amigo,

Escuta o que te digo:

Se não tiveres o que amas,

Ama, ao menos, o que tens.

Estóico, suporta a dor  

De certas coisas do amor.

In “Coisas do Amor” - 1995

Florida Gráfica

 

João Coelho dos Santos

(N. 1939)

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