DANÇA DAS PALAVRAS
Foste o mel que adoçou a vida amarga,
que a lua, tristemente, me trazia.
Foste uma taça erguida à alegria,
com o sabor secreto duma sarga.
Libertaste minha alma, duma carga
submersa de doutrina que atrofia.
Agora a noite é escassa e fugidia
e a madrugada é luz que não me larga.
Deste asas aos prazeres do desejo,
trouxeste brisas leves, onde vejo
a ilusão formar um novo abrigo.
Foste o pão e o vinho, que não tive,
e a valsa dos meus beijos, em declive,
na dança das palavras que não digo!
In “Emoções em Terra Doce” - 2004
Glória Marreiros
(N.?)
APODERAVA-SE DAS MINHAS PALAVRAS
Apoderava-se das minhas palavras
como se fossem uma toalha do seu rosto
alguns utensílios reservados para a sua vida.
Eu escrevia casa e a casa teria de ser a defesa do nosso amor.
Eu escrevia cama e a cama transformava-se num jogo de silêncio.
Vivia por trás da minha escrita
como se preenchesse a alma de tudo o que não entendia.
Queria que eu mobilasse a vida só com palavras
breves imagens que fossem o retrato do meu pensamento.
Eu proporcionava-lhe a felicidade como um enigma
em cada palavra um sentimento formalmente virtual
depois abandonava-a com a ilusão do espaço decorativo.
In “Área Afectada”
Editora Temas Originais – 2010
Fernando Esteves Pinto
(N. 1961)
UM DIA
Esvoaçam os pardais a chilrear,
são puras as cores, o dia já nasceu.
Mergulham no azul fresco do céu,
onde o Sol, desde cedo está a reinar.
Vem a tarde, e apetece caminhar,
sem ter destino certo, pelos montes…
E ao subi-los em silêncio, ouvem-se as fontes,
Que cantam noite e dia, sem parar.
Mas o Sol, pouco a pouco, vai descendo,
e o dia, cansado, vai morrendo
nos braços de uma noite de luar…
Luar que a Lua espalha como um véu,
sobre a Terra que há pouco adormeceu,
e que amanhã, com o Sol, volta a acordar.
In “Unearta”
Revista da União dos Escritores
e Artistas Transmontanos e Altodurienses
Ano I – N.º 1 – Janeiro 2002
Eugénio Pinto Aires
(N.?)
MULHER TRANSMONTANA
A minha Mãe
e a todas as
mulheres transmontanas
Teu berço foi Trás-os-Montes,
Tua raça não engana!…
Aonde quer que te encontres
Dás sinais de transmontana!
Trazes no sangue a correr
Rios de sol e pujança!…
E tens nos olhos a arder
A chama viva da esp’rança!
Mulher e mãe-heroína,
Sem medalhas nem louvores!…
O teu exemplo ilumina
– P’la raíz das tuas dores!…
Gerou-te o frio e o calor
Em extremos de amargura!…
A terra te exige amor
– Quer na fome ou na fartura!
Teu rosto cheio de rugas
E as tuas mãos calejadas!…
Mostram a luta, sem fugas,
Dos serões e madrugadas!…
A neve e o sol te queimaram
Em gelras de vida amarga!…
Maus tempos te fustigaram:
– Mulher-carne, mulher-fraga!
Teu berço foi Trás-os-Montes,
Tua raça não engana!…
Aonde quer que te encontres
Não negas que és transmontana!
Belver – Carrazeda de Ansiães
Agosto de 1982
In “O Grito das Fragas” – Julho 1983
Edição do Grupo de Acção Recreativa
e Cultural Semente Nova (GARC)
Castro Reis
(1918-2007)
SE NÃO ME QUERES NO VENTO AGRESTE
se não me queres no vento agreste
paro de te soprar no coração. pousa
o pássaro, pousa a tinta, posam as
folhas a tua mão.
vê-me no campo, entre os seres criados
para comer os raios do sol.
In "Anos 90 e agora"
Selecção e organização de Jorge Reis-Sá
Editora Quasi
Valter Hugo Mãe **
(N.1971)
** Nome artístico de Valter Hugo Lemos
A ESMOLA DO POBRE
Nos toscos degraus da porta
De igreja rústica e antiga,
Velha trémula mendiga
Implorava compaixão.
Quase um século contado
De atribulada existência,
Ei la, enferma e na indigência
Que á piedade estende a mão.
Duas crianças brincavam
Á distancia, na alameda;
Uma trajava de seda
Da outra humilde era o trajar.
Uma era rica, outra pobre,
Ambas loiras e formosas,
Nas faces a cor das rosas,
Nos olhos o azul do ar.
A rica, ao deixar os jogos,
Vencida pelo cansaço
Viu a mendiga, - e ao regaço
Uma esmola lhe lançou.
Ela recebe-a; e a criança,
Que a socorre compassiva,
Em prece fervente e viva,
Aos anjos encomendou.
De um ligeiro sentimento
De vaidade possuída,
Á criança mal vestida
Disse a do rico trajar:
«- O prazer de dar esmolas
«A ti e aos teus não é dado;
«Pobre como és, coitada,
«Aos pobres o que hás de dar?»
Então a criança pobre,
Sem mais sombras de desgosto,
Tendo o sorriso no rosto
Da igreja se aproximou,
E após, serena, em silencio,
Ao chegar junto da velha,
Descobrindo-se ajoelha,
E a magra mão lhe beijou.
E a mendiga, alvoroçada,
Ao colo os braços lhe lança,
E beija a pobre criança,
Chorando de comoção!
É assim que a caridade
Do pobre ao pobre consola;
Nem só da mão sai a esmola,
Sai também do coração.
In “Poesias” - 1873
Júlio Dinis **
(1839-1871)
** Pseudónimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho
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