DÉCIMA
A certo Eclesiástico
tendo um cravo ao peito
Tendes o cravo no peito,
O lugar impróprio é;
Pois se o tivésseis no pé,
Era o lugar mais perfeito;
Não julgueis, que o meu conceito
Vos faz a menor censura;
É só com doce brandura,
E sem vos fazer agravo,
Dar-vos pancada no cravo,
Sem tocar na ferradura.
In “Cem Poemas Portugueses do Riso e do Maldizer”
Selecção, organização e introdução de José Fanha
e José Jorge Letria
Editora Terramar
Paulino António Cabral de Vasconcelos
Abade de Jazente
(1719 - 1789)
PARA AS RAPARIGAS DE COIMBRA
Tristezas têm-nas os montes
Tristezas têm-nas o Céu
Tristezas têm-nas as fontes,
Tristezas tenho-as eu!
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avozinho,
Falta-te apenas a voz.
Minha capa vos acoite
Que é pra vos agasalhar:
Se por fora é cor da noite,
Por dentro é cor do luar...
Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobrais, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!
A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cai, tolinho, a essa isca...
Só pondo uma flor no anzol!
Lua é a hóstia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É duma certa farinha
Que não apanha bolor.
Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu'é da tua água?
Qu'é dos prantos que eu chorei?
No Inverno não tens fadigas
E tens água para leões|!
Mondego das raparigas,
Estudantes e violões!
- É só porque o mundo zomba
Que pões luto? Importa lá!
Antes te vistas de pomba...
- Pombas pretas também há!
Teresinhas! Ursulinas!
Tardes de novena, adeus!
Os corações às batinas
Que diriam? Sabe-o Deus...
Ó boca dos meus desejos,
Onde o padre não pôs sal,
São morangos os teus beijos,
Melhores que os do Choupal
Manoel no Pio repoisa,
Todas as tardes, lá vou
Ver se quer alguma coisa,
Perguntar como passou.
Agora, são tudo amores
À roda de mim, no cais,
E, mal se apanham doutores,
Partem e não voltam mais...
Aos olhos da minha fronte
Vinde os cântaros encher:
Não há, assim, segunda fonte
Com duas bicas a correr!
Os teus peitos são dois ninhos
Muito brancos, muito novos,
Meus beijos os passarinhos
Mortinhos por porem ovos.
Nossa Senhora faz meia
Com linha feita de luz:
O novelo é a lua cheia,
As meias são pra Jesus.
Meu violão é um cortiço,
Tem por abelhas os sons
Que fabricam, valha-me isso,
Fadinhos de mel, tão bons...
Ó fogueiras, ó cantigas,
Saudades! Recordações!
Bailai, bailai, raparigas!
Batei, batei, corações!
Coimbra, 1890
Canção da Felicidade
In ” Só” – Fev.1989
Estante Editora
António Nobre
(1867 - 1900)
SÃO MAIS AS VOZES QUE AS NOZES
Mais são as vozes que as nozes
p’ra mim nesta ocasião,
e para vós nesta acção
mais as nozes que as vozes:
vós jogais os arriozes
com elas muito contentes;
e, sendo as nozes tão quentes,
eu fico d’elas mui frio;
vós com calor e com brio,
com elas ficais valentes.
Assim que a guerra será
não guerra de cão com gato,
senão de gato com rato
que é para vós guerra má:
que eu não posso sofrer já
tanta perda, nem tal dano,
nem que um ratinho tirano
me dê uma e outra vez
más horas em português,
maus «ratos» em castelhano.
In “Os Ratos da Inquisição”
Prefácio de Camilo Castelo Branco
e anotada por Manuel João Gomes no século XX
Edição – Frenesi
António Serrão de Castro
(1610 - 1685)
QUANDO VOLTEI ENCONTREI OS MEUS PASSOS
Quando voltei encontrei os meus passos
Ainda frescos sobre a húmida areia.
A fugitiva hora, reevoquei-a,
– Tão rediviva! nos meus olhos baços...
Olhos turvos de lágrimas contidas.
– Mesquinhos passos, porque doidejastes
Assim transviados, e depois tornastes
Ao ponto das primeiras despedidas?
Onde fostes sem tino, ao vento vário,
Em redor, como as aves num aviário,
Até que a asita fofa lhes faleça...
Toda essa extensa pista – para quê?
Se há-de vir apagar-vos a maré,
Como as do novo rasto que começa...
Clepsidra
In ”Ler Por Gosto”
Areal Editores
Camilo Pessanha
(1867 - 1926)
AMEI DEMAIS
Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais
todas as coisas que na vida eu emprenhei.
Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais,
como as tais coisas nas quais nunca pensei.
Demais foram as sombras. Mais e mais.
Cada vez mais ardentes as sombras que tirei
do imenso mar de sol, sem praia ou cais,
de onde parti sem saber porque embarquei.
Amei demais. Sempre demais. E o que dei
está espalhado pelos sítios onde vais
e pelos anos longos, longos que passei
à procura de ti. De mim. De ninguém mais.
E os milhares de versos que rasguei
antes de ti, eram perfeitos. Mas banais.
In " Ano Comum"
Litexa Editora
Joaquim Pessoa
(N. 1948)
SOBERANIA MÁXIMA
Ao Excelentíssimo Senhor
Doutor Antonio José de Almeida
– escol da pura Amizade.
Entre o rolar dos mundos infinitos,
Império colossal que não baqueia,
Os grandes homens são apenas mitos
A terra impercétivel grão de areia!
¿Que valem nossos míseros conflitos,
O fértil lampejar da nossa ideia,
Louros de heróis, angustias de precítos,
Por onde o eterno universal vagueia?
Grandezas, honrarias, são quimeras,
Que esmaltam a vaidosa humanidade,
Numa ilusão, que vem de antigas eras.
Uma só coisa aflora a eternidade,
E atinge, augusta, as lùcidas esferas:
– A força inquebrantável da bondade.
In “Alma Nova” – Publicação Mensal
IIIª Série – Abril de 1922 – Nº 1
Editora – Empresa de Publicidade “Ressurgimento”
Cruz Magalhães
(1864 – 1928)
(Arthur Ernesto Santa Cruz Magalhães)
Mantem a grafia original
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