UM MODO DE VER
Ela entrou, a sorrir, brejeira, com mistério,
Chegou ao pé da filha e disse-lhe ao ouvido:
«Parabéns! Arranjei-te um óptimo marido.»
A pequena espantou-se. «O Santos Desidério!»
Este Santos viajou pelo Celeste Império.
Tem seus contos de réis; mas vive aborrecido
Por ser imberbe e calvo. «O caso é divertido!»
Exclamou a pequena. E a mãe: «O caso é sério!»
E pôs-se a enumerar as boas qualidades,
O rendimento, o luxo, as ricas propriedades,
E a traça das mamãs, «morrendo por obtê-lo.»
A filha ouviu; e então, com modo sobranceiro,
Apenas observou que aquele cavalheiro
Era rico de bens - mas pobre de cabelo.
Horta
In “Rimas de Ironia Alegre”
Colecção Brevíssima – Maio de 1997
Liv. Civilização Editora e Contexto Editora
Garcia Monteiro
(1859 – 1913)
NA RUA
Ninguém por certo adivinha
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha.
Minha sempre! — E em voz baixinha:
— «Tua ainda além da vida!...»
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.
Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco...
E o grande amor, afinal,
(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
— como uma tarde em Setembro...
Comigo (Versos dum Solitário) - 1912
In “Obras de Manuel Laranjeira”
Edições Asa - 1993
Manuel Laranjeira
(1877-1912)
SONETO
Não pode Amor por mais que as falas mude
exprimir quanto pesa ou quanto mede.
Se acaso a comoção falar concede
é tão mesquinho o tom que o desilude.
Busca no rosto a cor que mais o ajude,
magoado parecer aos olhos pede,
pois quando a fala a tudo o mais excede
não pode ser Amor com tal virtude.
Também eu das palavras me arreceio,
também sofro do mal sem saber onde
busque a expressão maior do meu anseio.
E acaso perde, o Amor que a fala esconde,
em verdade, em beleza, em doce enleio?
Olha bem os meus olhos, e responde.
In “Poesias Completas” (1956-1967)
Prefácio de Jorge de Sena
Sá da Costa Editora – Lisboa -1987
António Gedeão **
(1906-1997)
** Pseudónimo de Rómulo de Carvalho
O ESPÍRITO
Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando?
A vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:
Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.
In “Sonetos Românticos”
Edições O Jornal – 1990
Natália Correia
(1923 – 1993)
NARCISO
Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu próprio poço...
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lânguido escondia!
Ó boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silêncio esfíngico bem ouço!
Ó lindos olhos sôfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia!
Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:
Que eu vivo à espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
...Lá no fundo do poço em que me espelho!
In “Poesia II”
INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda
José Régio **
(1901 – 1969)
** Pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira
POR TODOS OS CAMINHOS DO MUNDO
minha poesia é assim como uma vida que vagueia pelo mundo,
por todos os caminhos do mundo,
desencontrados como os ponteiros de um relógio velho,
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar
num jardim nocturno,
ora um deserto que o sim um veio modificar,
ora a miragem de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados, sem forças para além.
Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
o rumo e a hora de o atingir,
a tranquilidade de quem tem na mão o profetizado
de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
a doçura de quem nada tem a regatear,
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.
Na minha vida nem sempre a bússola se atrai ao mesmo norte.
Que ninguém me peça nada. Nada.
Deixai-me com o meu dia que nem sempre é dia,
com a minha noite que nem sempre é noite
como a alma quer.
Não sei caminhos de cor.
In “Mar de Sargaços”
Atlântida – Coimbra
Fernando Namora
(1919 – 1989)
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