A IMAGEM ROMÂNTICA
Há outras coisas, Horácio,
e a tua filosofia é barata,
na verdade não custa fixar
as coisas ideais à distância:
terás vista panorâmica
mas sempre a visão é polémica.
Gostava que alguém me mostrasse,
mas não terei nunca garantia
de que envelhecer faça sentido.
As pessoas prostram-se, queremos que nos digam
porquê não haver luz nos seus rostos. Crestam
os cravos, antes rubros. Não há modo
de saber se as monarcas
têm memórias arenosas de lagarta.
Tudo sucede dentro de estanques
casulos, a seda é densa,
não se faz ideia
se isto acaba. Estrelas foscas
correm, pessoas morrem, a vida
é breve, impávido o
real se esquiva a designar.
Comparar é colidir: o verbo
talvez nos leve
a mais nenhum sinal.
In “Mulher ao Mar”
Mariposa Azual -2010
Margarida Vale de Gato
N. 1973
MARIA DO MAR
As artérias do sol longas e finas
tatuaram de iodo e de canela
as linhas do seu rosto de flanela
e os relevos dos vales e das colinas
do corpo errante de navio à vela
saturado de ventos de neblinas
do roxo das distâncias genuínas
de recortes de esboços de aguarela
Nas ânforas dos olhos diluídas
confins planetas horizontes vidas
e aromas a escorrer dos tornozelos
Nuvens de pó nas pálpebras morenas
na alma agreste um ramo de açucenas
e sonhos enrolados nos cabelos
In "Infinito Azul
Ed. Palavra em Mutação
Maria Natália Miranda
N. 1925
SOMBRAS
Passa uma sombra, que se desvanece...
Logo outra avança rápida e fluctua...
Á luz do sol ou ao palor da lua,
Se uma sombra se apaga, outra aparece.
No caminho da vida que alvorece
Ou quando a mocidade já recua,
Numa floresta ou numa estrada nua,
Surge sempre uma sombra, que estremece...
Sombras?... Eu também sigo a que me enleva
E me acompanha – misterioso apelo
Sigo-a se é dia claro e em plena treva...
Mas a sombra tem vulto?... Deve tel-o.
Meu olhar assustado não se eleva...
Tenho medo?... Não sei. Não quero vel-o.
In “Contemporanea”
Ano I – Volume II – Nº 5 – Ano 1922
Pág. 50
Maria Carvalho
1847 – 1921
Grafia original
OS VELHOS
Não é simples envelhecer.
Já um poeta o disse.
Peregrinos do tempo,
aprenderam, pelo olhar,
o caminho do trigo maduro,
o perfil dos navios
que partem sem regresso,
a mudança das estações do ano,
a curta duração das emoções.
Mas, quem se lembra da fadiga
dos seus braços, agora,
que é outono em suas mãos?
Quem fez do banco do jardim
um referente da morte,
o lugar onde a sua solidão se acoita?
Quem esqueceu, nas suas rugas,
a sábia maturidade da vida,
ou antes, um modo diverso
de olhar na direcção da noite?
In “Ortografia do olhar”
Editorial Eter – 1996
Graça Pires
N. 1946
NÃO É AINDA A LUZ DE ABRIL
Não.
Não é ainda a luz de abril
que alastra neste chão.
É apenas um sorriso,
um breve rumor a roçar
o veludo das ervas.
Ainda não se ouve, ao longe,
a canção do milho sobre os campos,
a sua gloriosa subida às mesas,
nas casas.
Ainda não se ouve nada.
Por agora falo-te da sombra
que sobra deste inverno,
da sombra que se cola à terra nua
E se demora no sono enrolado
dos gatos.
Ficarei por aqui. Aceito ficar
com as mãos magoadas
e o delírio da febre nos olhos
enxotando palavras de vento no escuro.
O sorriso?
Ah!... O sorriso entornou-o aqui a seda
de uma rosa.
Abriu-se, pura, à proa de uma súbita
primavera.
In “Sementes Daqui”
Poética Edições - 2013
Lídia Borges **
N. 1956
** - Pseudónimo de Olívia Maria Barbosa Guimarães Marques
CÂNTICO DOS CÂNTAROS
Voltando um pouco atrás
à costura das fotografias
àquelas escuridão pulmonar onde te vi
pela primeira vez onde eras
mais que certo quase cavalo
quase branco
a galope nos meus dentes.
Fotografias do tempo em que chamavas
árvore de rapina ao instrumento
que te educava os dedos.
Um dedilhar de amigo
à beira do vinhal.
Um encantar de amigo.
Se te deixasse ficar à sombra
haveria ainda as linhas da tua mão
tão irregulares tão imponderáveis
como a chuva nas boas noites.
Haveria ainda o perfume das grainhas
na primeira curva da manhã.
Era no tempo das fotografias.
Agora, dizes tu, há o orvalho dos murtais
um cesto silencioso e humano.
Nunca saberás que isso a que chamas
silêncio orvalho
eu chamo música
e toco-a.
In “Bailias”
Deriva Editores – 2010
Catarina Nunes de Almeida
N. 1982
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