SEBASTIÃO REI
Não chegou de manto
nem com lenço e pranto
Não entrou a barra
com pendão e amarra
Não veio em ginete
com a sua gente
Não voltou da guerra
com os mortos dela
Não voltou da púrpura
com ferida ou sutura
Não voltou de coroa
nem ceptro a Lisboa
Não veio da batalha
com trajo de gala
Não trouxe burel
nem viseira e elmo
Nem trajou de estopa
nem demandou porto
Não veio doente
nem com mantimentos
Não chegou na frota
ou deu à costa
Nem alçou pendão
nem selo de mão
Nem veio às matinas
com saio de linho
Nem calçou pelica
com fivela e vira
Não voltou ao cais
nem em mês ou ano
Perdeu arrais
e tendas de pano
In “Barcas Novas”
Editora Ulisseia
Fiama Hasse Pais Brandão
1938 – 2007
SE TU VIESSES VER-ME…
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus barcos...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo
E os meus braços se estendem para ti...
Charneca em Flor - 1930
In “Verbo Clássicos – Florbela – Sonetos”
Editora Ulisseia e Editorial Verbo
Florbela Espanca
1894 – 1930
O AMOR E O TEMPO
Pela montanha alcantilada
Todos quatro em alegre companhia,
O Amor, o Tempo, a minha Amada
E eu subíamos um dia.
Da minha Amada no gentil semblante
Já se viam indícios de cansaço;
O Amor passava-nos adiante
E o Tempo acelerava o passo.
– «Amor! Amor! mais devagar!
Não corras tanto assim, que tão ligeira
Não pode com certeza caminhar
A minha doce companheira!»
Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,
Abrem as asas trémulas ao vento...
– «Por que voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis?» – Nesse momento.
Volta-se o Amor e diz com azedume:
– «Tende paciência, amigos meus!
Eu sempre tive este costume
De fugir com o Tempo... Adeus! Adeus!»
In “Sol de Inverno”
Biblioteca de Autores Portugueses
INCM - Imprensa Nacional – 1966
António Feijó
1859 – 1917
ADEUS
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
(Os Amantes Sem Dinheiro)
In “Antologia Breve”
Editora Limiar – Outubro.1985
Eugénio de Andrade
1923 – 2005
JOELHO
Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho
Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio
Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo
Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo
Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo
E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento
Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas
Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas
In “Só de Amor”
Quetzal Editores -1999
Maria Teresa Horta
N. 1937
PRECISO URGENTEMENTE DE UM POEMA
Preciso urgentemente de um poema... analgésico
Que me tire a dor da alma esse sortilégio
Poema de essências que me indique uma saída
Nesta vida de evidências que me acusam estar perdida
Que me abra portas e me indique o norte
Que me ajude a encarar a sorte
A que estou votada
Transformar o desamor em mulher amada
Poema solução dos momentos em vão...
Que surja espontaneamente para nos salvar
Das turbulências difíceis de conseguir amainar
O mote para prosseguir... em gélidos dias sem provir
Poema que te invada em momentos de solidão
Que conceba uma verdade capaz de te tornar são
Poema num sussurro... mensagem a pairar
A função dessa clausura... é a de te libertar
In “Resquícios de Luz”
Colecção Sinais de Poesia
Edição de Formasau – Coimbra
Isabel Seixas
N. 1961
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