NOITE DE SONHOS VOADA
Noite de sonhos voada
cingida por músculos de aço,
profunda distância rouca
da palavra estrangulada
pela boca armodaçada
noutra boca,
ondas do ondear revolto
das ondas do corpo dela
tão dominado e tão solto
tão vencedor, tão vencido e tão rebelde ao breve espaço
consentido
nesta angústia renovada
de encerrar
fechar
esmagar
o reluzir de uma estrela
num abraço
e a ternura deslumbrada
a doce, funda alegria
noite de sonhos voada
que pelos seus olhos sorria
ao romper de madrugada:
— Ó meu amor, já é dia!...
“Poemas Dispersos”
In "Poemas Completos"
Editora Caminho
Manuel da Fonseca
1911 – 1993
OS AMANTES OBSCUROS
Nossos sentidos juntos fazem chama:
e as fantasias nossas vão soltar
os desejos desertos de quem ama
e em verso ou coração se quis tornar.
Nossos sentidos são matéria prima
de um canto que é mais leve do que o ar;
o mundo todo não nos adivinha:
somos sombra sem luz, sequer luar.
Que o corpo quebre a noite desolada,
que o corvo ceda a voz à escuridão:
mil luzes são o nome da amada;
quem se perdeu no verso é sem perdão.
"Os Amantes Obscuros"
In “Poesia Reunida (1985-1999)”
Quetzal Editora
Luís Filipe Castro Mendes
N. 1950
ERA DE INVERNO, EM VILA REAL
Era de inverno, em Vila Real. A neve
cobria as ruas que levavam ao liceu.
Dentro da confeitaria, as luvas de cabedal
no tampo do vidro, o vapor da respiração
ligava-nos entre as conversas de mesa indiferentes.
E querias olhar para mais dentro de mim.
Os pombos escondidos nos beirais tapavam
a cabeça na plumagem de chumbo, cor do céu.
Calados, afeitos ao silêncio, enlaçámos
em cada um dos nossos livros a primeira letra
dos nossos nomes, de modo a desenharem
uma única letra que não havia em alfabeto nenhum.
Que bem que estávamos tão mal ali sentados,
a faltar às aulas, nessa primeira vez
em que nos acontecia, sem sabermos, um amor.
Tu não ias adivinhar as leis secretas
que já nos separavam. Tu não podias
lutar na via de sangue da minha vida.
Mas sempre que tombar neve em Vila Real
e desceres a avenida a caminho do café
de alguma destas coisas, quem sabe, te hás-de lembrar.
In “Segredos, Sebes, Aluviões” – 2.ª edição
Editorial Presença – 1985
Joaquim Manuel Magalhães
N. 1945
HÁ SETE ANOS
Depois de nos amarmos rosto a rosto
perdemo-nos ao conto das estrelas.
na espera deixou-nos o desgosto
sete redondas laranjas amarelas.
Os gomos estão cheios do revés
dos sonhos que ficaram em promessa.
O amor o sol desfazem a acidez
beijando a casca amarelinha espessa.
Laranjas do laranjal da vida
que o tempo amadurou no seu rodar
quando acabar tão longa despedida
hei-de fazer com elas um colar.
Ou pela tarde quando o sol desmaia
vou atirá-las uma a uma ao ar
e tu compões de leve a tua saia
que em teu regaço é que irão pousar.
In “No Mar Oceano”
Editorial Caminho
António Braga Coelho
N. 1928
OS AMIGOS DESCONHECIDOS
Quando ouvi onde ouvi este rosto vulgar e fatigado
estes olhos brilhantes lá no fundo
e este ar abandonado e inconformado
que aproxima?
Quando ouvi esta voz
que se eleva em surdina em meu ouvido e diz
frases tão conhecidas?
Quando foi que senti
estes dedos amigos nos meus dedos
este aperto de mão
tão comovidamente prolongado?
Não somos nós dois estranhos que se cruzam
com o mesmo passado
e com a mesma féria?
Ah dois amigos velhos que se encontram
pela primeira vez
In “Poesia Incompleta”
Publicações Europa-América
Mário Dionísio
1916 – 1993
ABRIGO
Abrigo-me de ti
de mim não sei
há dias em que fujo
e que me evado
há horas em que a raiva
não sequei
nem a inveja rasguei
ou a desfaço
Há dias em que nego
e outros onde nasço
há dias só de fogo
e outros tão rasgados
Aqueles onde habito com tantos
dias vagos.
In “Minha Senhora de Mim”
Editorial Futura – 1974
Maria Teresa Horta
N. 1937
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