Sexta-feira, 31 de Janeiro de 2014

Recordando... João Penha

ENTRE MUNDANAS

 

- Filha das tristes ervas, nus os pés,

Andrajosa, mas bela de semblante,

Seduziu-me um devasso, um falso amante.

E nada tinha que perder aos dez.

 

Fui atriz e cantora de cafés,

Mas mudava, indecisa, a cada instante.

Depois, fui o que sou: mundana ovante,

Com trem montado, alto estadão, librés.

 

Mas tu que eras um anjo, um serafim!

És pois, de quem te queira! Que piedade!

E por quanto te dás? – por um sequim.

 

- por um sequim em plena mocidade!

De dia e noite uma tarefa assim!

Tu rebaixas a nossa dignidade!

 

In “Ecos do Passado” – 1914

Companhia Portuguesa Editora – Porto

 

João Penha

1838 – 1919

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Sábado, 25 de Janeiro de 2014

Recordando... Olga Gonçalves

AS MANHÃS ASSIM PURAS FORMULÁVES

 

as manhãs assim puras formuláves

por um sopro de amor de outras esferas

as manhãs assim dentro incendiadas

por nomes que da escada fazem guerra

 

as manhãs assim hora já volátil

junto ao tiro de caça junto ao remo

as manhãs bloqueadas neste lado

pelo trágico limbo do meu gesto

 

as manhãs assim margens divididas

que me cercam e viram contra o espelho

e depois lentamente me desdobram

 

as manhãs esticadas na colina

já pressentem a força que tu és

em nocturno e galáxia fabulosa

 

In “Só de amor”

Editora Ática – 1975

 

Olga Gonçalves

1929 – 2004

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Domingo, 19 de Janeiro de 2014

Recordando... Vasco Gato

O TRUNFO DO TEMPO

 

As flores que nascem contigo
são o leito onde hás-de morrer.

Neste dia a ilha dispensou o sol.
As águas opacas poderiam esconder
reluzentes peixes que nada
seria hoje revelado.
Respirávamos por baixo da cinza,
vagarosamente,
e crescia uma levíssima morte
que talvez nos lançasse
já noite
nas memórias vivas.

Antes, havíamos conhecido o privilégio.
Tivéramos tempo para construir
a muralha que sustentaria o céu.
Encontrámos as raízes puras
da nossa idade, éramos enormes
diante do fogo, como árvores
que chegassem de muito longe
para povoar o inóspito.
Havia esse saber secreto:
vem das árvores o ar
com que o fogo as consome.

O tempo conhece os seus trunfos.

As flores preparam-se para te receber.
E tu tens os olhos esculpidos pela febre,
a brancura, o frio nas mãos,
todos esses contrastes que antecedem
a chegada da primavera incalculável.
Sentes-te estalar desde o coração.
Há uma tapeçaria de gritos e silêncios
urdindo-se dentro de ti.
Pétalas no chão.

E agora és a primavera
em que todas as aves partiram,
levando consigo a ilha,
as memórias,
a dura revelação do rosto.

In “Imo”
Editora Quasi Edições – 2003

 

Vasco Gato
N. 1978

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Segunda-feira, 13 de Janeiro de 2014

Recordando... Albano Martins

CHOVE LÁ FORA

 

Há um silêncio enevoado e triste

a saber a demora

sobre tudo o que existe.

 

Minha alma recolhe-se do frio

e une as mãos às mãos do sentimento.

Chove lá fora. Engrossa o rio

do meu pensamento.

 

O dia agora é um lençol molhado

estendido ao longo dos caminhos.

 

Eu sou este dia de março

a arrefecer o amor dos primeiros ninhos.

 

In “Assim São As Algas”

Editora Campo das Letras

 

Albano Martins
N. 1930

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Terça-feira, 7 de Janeiro de 2014

Recordando... Fátima Maldonado

QUANDO AO ADORMECER...

 

Quando ao adormecer

partimos à procura

da face dos antigos

amores que sufocados

renascem provisórios,

como se vai à pesca

levando numa caixa a isca torturada

ou na boca a faca se transporta

antes de mergulhar à procura das ostras,

entre as pálpebras sustemos,

sem sombra de recuo

a fé de destrinçar por entre moribundos

os limos dos desejos, a folga da tensão,

as faces dos amados.

É sempre em quartos baixos

de vidros sobre as portas

ao fundo de corredores

que se inclina a face por entre os nossos braços

e quando os nomes saltam da boca em alvoroço,

os ternos nomes libertos dos esquifes

os lázaros no fim sempre ressuscitados

a cabeça ao fazer o gesto do encontro

acorda o corpo vivo que se sente enganado

e vai para a cozinha remoendo ameaças

deitar da cafeteira o jorro reluzente.

 

In “Os Presságios”

Editorial Presença – 1983

 

Fátima Maldonado
N. 1941

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Quarta-feira, 1 de Janeiro de 2014

Recordando... Eduíno de Jesus

COM AS MÃOS

 

Com as mãos

construo

a saudade do teu corpo

onde havia

 

uma porta,

um jardim suspenso,

um rio,

um cavalo espantado à desfilada.

 

Com as mãos

descrevo o limiar,

os aromas subtis,

os largos estuários,

 

as crinas ardentes

fustigando-me o rosto,

a vertigem do apelo nocturno,

o susto.

 

Com as mãos procuro

(ainda) colher o tempo

de cada movimento

do teu corpo em seu voo.

 

E por fim destruo

todos os vestígios (com as mãos):

Brusca-

mente.

 

In “Os Silos do Silêncio”

Imprensa Nacional – Casa da Moeda – 2004

 

Eduíno de Jesus

N. 1928

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