ENTRE MUNDANAS
- Filha das tristes ervas, nus os pés,
Andrajosa, mas bela de semblante,
Seduziu-me um devasso, um falso amante.
E nada tinha que perder aos dez.
Fui atriz e cantora de cafés,
Mas mudava, indecisa, a cada instante.
Depois, fui o que sou: mundana ovante,
Com trem montado, alto estadão, librés.
Mas tu que eras um anjo, um serafim!
És pois, de quem te queira! Que piedade!
E por quanto te dás? – por um sequim.
- por um sequim em plena mocidade!
De dia e noite uma tarefa assim!
Tu rebaixas a nossa dignidade!
In “Ecos do Passado” – 1914
Companhia Portuguesa Editora – Porto
João Penha
1838 – 1919
AS MANHÃS ASSIM PURAS FORMULÁVES
as manhãs assim puras formuláves
por um sopro de amor de outras esferas
as manhãs assim dentro incendiadas
por nomes que da escada fazem guerra
as manhãs assim hora já volátil
junto ao tiro de caça junto ao remo
as manhãs bloqueadas neste lado
pelo trágico limbo do meu gesto
as manhãs assim margens divididas
que me cercam e viram contra o espelho
e depois lentamente me desdobram
as manhãs esticadas na colina
já pressentem a força que tu és
em nocturno e galáxia fabulosa
In “Só de amor”
Editora Ática – 1975
Olga Gonçalves
1929 – 2004
O TRUNFO DO TEMPO
As flores que nascem contigo
são o leito onde hás-de morrer.
Neste dia a ilha dispensou o sol.
As águas opacas poderiam esconder
reluzentes peixes que nada
seria hoje revelado.
Respirávamos por baixo da cinza,
vagarosamente,
e crescia uma levíssima morte
que talvez nos lançasse
já noite
nas memórias vivas.
Antes, havíamos conhecido o privilégio.
Tivéramos tempo para construir
a muralha que sustentaria o céu.
Encontrámos as raízes puras
da nossa idade, éramos enormes
diante do fogo, como árvores
que chegassem de muito longe
para povoar o inóspito.
Havia esse saber secreto:
vem das árvores o ar
com que o fogo as consome.
O tempo conhece os seus trunfos.
As flores preparam-se para te receber.
E tu tens os olhos esculpidos pela febre,
a brancura, o frio nas mãos,
todos esses contrastes que antecedem
a chegada da primavera incalculável.
Sentes-te estalar desde o coração.
Há uma tapeçaria de gritos e silêncios
urdindo-se dentro de ti.
Pétalas no chão.
E agora és a primavera
em que todas as aves partiram,
levando consigo a ilha,
as memórias,
a dura revelação do rosto.
In “Imo”
Editora Quasi Edições – 2003
Vasco Gato
N. 1978
CHOVE LÁ FORA
Há um silêncio enevoado e triste
a saber a demora
sobre tudo o que existe.
Minha alma recolhe-se do frio
e une as mãos às mãos do sentimento.
Chove lá fora. Engrossa o rio
do meu pensamento.
O dia agora é um lençol molhado
estendido ao longo dos caminhos.
Eu sou este dia de março
a arrefecer o amor dos primeiros ninhos.
In “Assim São As Algas”
Editora Campo das Letras
Albano Martins
N. 1930
QUANDO AO ADORMECER...
Quando ao adormecer
partimos à procura
da face dos antigos
amores que sufocados
renascem provisórios,
como se vai à pesca
levando numa caixa a isca torturada
ou na boca a faca se transporta
antes de mergulhar à procura das ostras,
entre as pálpebras sustemos,
sem sombra de recuo
a fé de destrinçar por entre moribundos
os limos dos desejos, a folga da tensão,
as faces dos amados.
É sempre em quartos baixos
de vidros sobre as portas
ao fundo de corredores
que se inclina a face por entre os nossos braços
e quando os nomes saltam da boca em alvoroço,
os ternos nomes libertos dos esquifes
os lázaros no fim sempre ressuscitados
a cabeça ao fazer o gesto do encontro
acorda o corpo vivo que se sente enganado
e vai para a cozinha remoendo ameaças
deitar da cafeteira o jorro reluzente.
In “Os Presságios”
Editorial Presença – 1983
Fátima Maldonado
N. 1941
COM AS MÃOS
Com as mãos
construo
a saudade do teu corpo
onde havia
uma porta,
um jardim suspenso,
um rio,
um cavalo espantado à desfilada.
Com as mãos
descrevo o limiar,
os aromas subtis,
os largos estuários,
as crinas ardentes
fustigando-me o rosto,
a vertigem do apelo nocturno,
o susto.
Com as mãos procuro
(ainda) colher o tempo
de cada movimento
do teu corpo em seu voo.
E por fim destruo
todos os vestígios (com as mãos):
Brusca-
mente.
In “Os Silos do Silêncio”
Imprensa Nacional – Casa da Moeda – 2004
Eduíno de Jesus
N. 1928
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