DÉCIMAS
Se por dar lustre aos pesares
Vossas lágrimas teimosas
Correm por margens de rosas,
Porque não cabem nos mares,
A submergir esses ares
Subiam rios crescendo,
E certo o naufrágio sendo,
A fineza deslustrais,
Porque podendo amar mais,
Deixareis de amar morrendo.
Deixai que o mar se dilate,
Que o rio se precipite,
Que o vento se fortifique,
Que em água a nuvem desate,
Sem que vós neste combate
Balas de neve esgrimindo,
Que as estrelas vão ferindo,
De neve e fogo tomeis
As armas com que ofendeis,
De amor os raios cobrindo.
In “Cem Poemas Portugueses no Feminino”
Selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Soror Madalena da Glória
1672 – ??
O MENINO E A FLOR
Era uma vez um menino
Era uma vez o papão
Era uma vez milhões de homens
cobertos de maldição...
Medalhas de oiro
foguetes
bandeirinhas de mil cores
flores de papel aos centos
diplomas e honrarias
tronos penas de pavão
homenagens monumentos
discursos
desfalques
roubos
assassinatos
infâmias
ah! negreiros do meu tempo
traficantes e falsário
permitam o céu às aves
deixem crescer o menino
com uma flor no coração!
Era uma vez um menino
Era uma vez o papão
Era uma vez milhões de homens
cobertos de maldição...
A mentira anda na rua
passeia na praça pública
puxa os cabelos às moças
faz caretas
piruetas
e trejeitos
grita
cospe nas estrelas
rasga o menino
e arranca dele uma flor
que pisa a pés que desfaz!
Senhores polícias
não deixem
violar um coração
algemem a violadora
apanhem a flor do chão!
Era uma vez um menino
Era uma vez o papão
Era uma vez milhões de homens
cobertos de maldição...
In “Antologia da Poesia Feminina Portuguesa”
Edições do Jornal do Fundão
Maria Almira Medina
N. 1920
O CORPO É TODAS AS COISAS
O corpo é todas as coisas
menos a luz que resplandece do teu olhar
menos o azul
que não está nas coisas nem no céu primaveril que se abre em rosa
nem nas águas cintilantes do oceano
nem nos teus olhos iluminados
pela pueril fragrância das glicínias
todas as coisas
são o universo inteiro que vai além
das coisas que vemos
suspensas nos pilares do tempo
ou as que não vemos por estarem ocultas na ficção dos espelhos
sempre o corpo
será a perpetuação de todas as coisas
na brevidade dos instantes
menos o nada que nada é fora de si próprio
menos o absoluto
espaço desabitado para lá do portal dos deuses
menos o amor
sempre em viagem na errância do desejo
sempre o corpo será
todas as coisas ígneas a incendiar
a noite e o firmamento incerto
sempre as mãos semearão a pedra entre vagas luas
e os lábios sulcarão os regos do corpo entreaberto
com arados de sangue de saliva e de sémen
sempre o corpo aspirará a ser liberto das cisternas
do medo onde mergulha as raízes
todas as coisas nunca serão no corpo
todas as coisas na sua infinita falta de si mesmo.
In “Cem Poemas Portugueses no Feminino”
Selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Maria do Céu Brito
N. 1966
O SILÊNCIO DAS PEDRAS
Gosto do silêncio das pedras
Mudas, falam através de testemunhos
de estratos e fissuras, de formas e de cor,
que permitem chegar ao seu passado
de muitos milhões de anos -
aos ventos que as fustigaram,
às águas que as arrastaram,
às elevadas pressões e temperaturas
que suportaram na epopeia da sua formação.
Gosto do silêncio das pedras que, mudas,
conservam na memória
os seres vivos com quem coabitaram
dos ínfimos, aos poderosos, passando pelos humanos
que ao longo de toda a história
tantas vezes as moldaram com lágrimas e com suor.
Gosto do silêncio das pedras
tantas vezes pisadas no chão,
pedras que não choram,
ao contrário dos meus olhos que nelas se demora,.
O coração, mudo como as pedras,
não encontro outra forma de falar.
In “Entre Margens”
Editora Lua de Marfim
Regina Gouveia
N. 1945
POSSE
Vem cá! Assim, verticalmente!
Achega-te... Docemente...
Vou olhar-te... E, no teu olhar, colher
promessas do que quero prometer,
até à síncope do amor na alma!
Colemos as mãos, palma a palma!
A minha boca na tua, sem beijo...
Desejo-te, até o desejo
se queixar que dói.
E sou tua, assim, como nenhuma foi!
(Caminhos Frios)
In “Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”
Organização, prefácio e notas de Natália Correia
Editora Antígona/Frenesi
Leonor de Almeida
N. 1915
DIZ-ME O TEU NOME
Diz-me o teu nome - agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão
com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,
como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o
nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.
Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.
In “Nenhum Nome Depois”
Gótica Editora
Maria do Rosário Pedreira
N. 1959
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