A MINHA MÃE
Lembra alvuras de cisne sobre um lago,
A minha vida imaculada e honesta;
Oiço bater meu coração em festa,
Pela bondade e amor que nêle trago.
Do meu orgulho olímpico de mago,
Só o desdém aos meus inimigos resta,
Maior que às folhas mortas da floresta
Que nos meus dedos pálidos esmago.
Mas a piedade enche o meu peito e vem,
Em vez de tão humano e vil desdém,
Ungir meus lábios num perdão divino.
– Julguei ser Deus… E choro de cansaço!
Ó mãe piedosa, embala no regaço,
Meu coração exausto de menino.
In “Alma Nova” – Revista de Ressurgimento Nacional
III Série Nos. 4 a 6 Dezembro – Março 1923
Edição da Emprêsa de Arte e Publicidade “Ressurgimento”
Américo Durão
1894 – 1969
Mantém grafia original
DOMINGO
Porto, domingo. Morre de cansada
a tarde ruiva de olhos azulinos,
isto apesar de não ter feito nada
pois que guardou os ócios citadinos.
Foi para a Foz, levou a pequenada
para os folguedos próprios dos meninos,
e a certa altura estava tão corada
como quem bebe largos vinhos finos.
Agora esvai-se e mancha de vermelho
os vidros altos deste Porto velho
que muito preza as tardes domingueiras.
É que amanhã começa uma semana
de luta imensa e inveja e luta insana,
uma infernal semana de canseiras.
In “Caminho Longo”
Papiro Editora
Manuel de Oliveira Guerra
1905 – 1964
CHUVA NA HAUPTSTRASSE
Enrodilhados neste disforme
edredão de penas, sofre-se o conceito
germânico de leito, ouvindo chegar
um Junho humedecido, no Balkom envidraçado
do quarto do Hotel Schöneberg. Desistimos
da visita à sepultura de Marlene, num
pequeno cemitério aqui próximo, que dizem
bastante arborizado e apetecivelmente
deserto. E ficámos a olhar
a mulher turca de cabeça velada, com
a filhita pela mão, vestida em tons
berrantes. No passeio em frente,
os grandes contentores da Rotes Kreuz,
para donativos de roupas usadas,
atestam a organizada caridade
do povo alemão. Até a chuva
parece aderir organizadamente a todas
as formas estáticas ou animadas, com
o seu antigo manto.
Berlim, 96
In “Um Quarto com Cidades ao Fundo”
Quasi Edições
Inês Lourenço
N. 1942
ANOITECER
Ficou o céu descòrado…
E a Noite, que se avizinha,
Vem descendo ao povoado,
Como trôpega velhinha.
Para a guiar com cuidado
Veio-lhe ao encontro a Tardinha,
Não fosse a Noite sozinha
Perder-se em caminho errado.
Vão as duas caminhando…
E como o Sol já não arde,
Para o caminho ir mostrando
A primeira estrêla brilha…
Então diz a Noite à Tarde:
– Vai-te deitar minha filha.
In “Alma Nova” – Revista de Ressurgimento Nacional
III Série Nos. 4 a 6 Dezembro – Março 1923
Edição da Emprêsa de Arte e Publicidade “Ressurgimento”
Armando Côrtes-Rodrigues
1891 – 1971
Mantém a grafia original
VOZES IMPERCEPTÍVEIS
Não vos percebo, tal é a confusão
sonora em que vos ondulais.
Proferis sentimentos ritmados,
histórias enquadradas numa vida,
segredos por vós tantas vezes ocultados.
Sois vozes discretas, vozes vazias
pelo pôr do sol que ficou esquecido.
Silêncio... quase não vos ouço!
Preciso decifrar vossos ecos,
lisonjear-me por vos poder escutar,
ouvir as histórias que já não percebo,
na ânsia de as poder desmistificar.
Oh, vozes com várias tonalidades...
Umas repassadas de euforias, alegrias,
outras mais desventuradas,
vozes vazias de sonoridades
que formam o eco de tantas vidas
perdidas no antro de suas ansiedades.
In “Triângulos Poéticos I”
1ª. Edição – Abril de 2008
artEscrita Editora
Deolinda Reis
N. 1964
ARREBANHAI O RISO E FAZEI TROÇA
Arrebanhai o riso e fazei troça
da nova situação que não é nova.
Poupai tempo fazendo vista grossa,
utilizando um pau e uma ova
Tranquilos, nem o cão nem a manada.
Embebeda-se o galo na janela
espichando o azul da madrugada
com medo ao facalhão e à panela.
Gemendo de prazer na bebedeira
o capão arremete à capoeira
e põe a galinhagem de esperanças.
Que Deus o abençoe, meu caro amigo,
mas tire-me esse galo do postigo
que não dá bons exemplos às crianças.
In “Sonetos Perversos”
Litexa Portugal
Joaquim Pessoa
N. 1948
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