PALAVRAS
Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras - inaudíveis - grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silêncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade...
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar...
In “Os Confrades da Poesia”
Boletim Mensal Nº 43 – Dez.2011
Égito Gonçalves
1920 – 2001
ABRIL DE ABRIL
Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.
Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.
Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.
Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.
Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.
Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.
In “30 Anos de Poesia”
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
N.1936
o homem que já não sou
não me olhes agora que estou
mais velho e não correspondo em
nada ao homem que
amaste, procura encarar a tristeza
sem me incluíres, seria demasiado
cruel que me usasses para a
dor. para ti
quis trazer as coisas mais belas
e em tudo o que fiz pus o
cuidado meticuloso de quem
ama. não me obrigues a cortar os
pulsos quando fores num minuto ao
jardim com o cão
esta noite, sem notares, sustive a
respiração e quase morri. não deste
por nada. julgaste que voltei a
ressonar e até terás esboçado um
sorriso. e se eu pudesse morrer
enquanto sorris, pergunto
deixo para depois, ou talvez
desista. mas não pode ser se
tu me olhares em busca de tudo o que
já não existe. não pode ser, levo a
faca maior para debaixo do meu
travesseiro, juro-te que me
mato se continuares assim
in “contabilidade”
editora objectiva (alfaguara)
valter hugo mãe **
n. 1971
** nome artístico de valter hugo lemos
não é gralha, nem descuido ortográfico. é mesmo de propósito, tudo em letras pequenas: valter hugo mãe. nas suas páginas, não se vislumbra uma maiúscula.
A MARGINAL
Ao lado do rio faz-se a experiência de nunca estar só.
Caminha-se a favor do vento, das águas correntes e
de algumas aves perdidas dos portos.
Não me chames para o lado de dentro dos países nem
para fazer pousada na gruta secreta daquela montanha
coberta de amoras e forrada de líquenes.
Aqui, no passo lento de quem não tem certezas nem afectos,
vou a caminho da foz. Chegam barcos, saem outros.
Brilha este lado das águas.
A sombra também caminha e só na distância das ondas
poderá estar o espelho brilhante que fixa a luz à terra
ou a chama ao fascínio.
Passeio Alegre, Abril, 1998
In "A Terra e os Dias"
Pedra Formosa Edições
Firmino Mendes
N. 1949
VELHICE
Água do rio Letes, onde passas?
Venha a mim o teu curso benfazejo
Que sepulta alegrias ou desgraças
No mesmo esquecimento sem desejo.
Quero beber-te por contínuas taças...
E às horas do passado que revejo,
Pedir-te que as afogues e desfaças
Na carícia e na esmola do teu beijo!
Quem de si nunca esteve satisfeito
E com novas empresas só procura
Corrigir seu engano ou seu defeito,
Não pode recordar sem amargura
Que a mais nenhum esforço tem direito
Na ruína presente e na futura...
In "Novos Sonetos"
Desconheço a editora
Alberto d’Oliveira
1873 – 1940
ÀS VEZES
Às vezes
te encontro só,
mesmo que acompanhada...
nostálgica,
pensativa,
desenquadrada,
sem fulgor.
Às vezes
a penumbra
nos invade...
numa força superior
a um desejo,
que se não pode prever
ou antever,
sem rigor.
Às vezes
desmarco-me
das simulações,
destas situações
e fomento ilusões...
infundamentadas,
porque ultrapassadas
e consumadas.
Às vezes
és tão diferente...
eu paciente,
tu intolerante...
ofuscando o passado,
persistentemente,
e julgando o presente...
irrelevante.
Às vezes
eu
também pareço
não o ser!...
In "Ser Poeta" (2009)
Edições Temas Originais
António Manuel Rodrigues Martins
N. 1955
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