CULPABILIDADE
O que é o perdão?
Vivi na esperança
de o ter entre os dedos.
Quem diz que o alcança
só vive de enredos...
Fiz mal? Mas a quem?
Que venham contar-me
as mágoas geradas
por meu vil desdém
e as feridas mostrar-me
na carne rasgadas.
Fiz mal? Mas a quem?
Fui pedra lançada
no vosso caminho?
Barrei-vos a estrada
com traves de pinho?
Só sei que
há vozes gritando
a culpa que sinto
pesar-me na alma,
há ecos cavando
a dor que pressinto
em noites de calma...
Só sei que
suspensos enredos
da minha agonia,
urdida ao serão
em grande segredo,
tornaram vazia
a minha intuição.
Fiz mal? Sim ou não?
Onde e quando?
Dizei-mo, dizei-mo!
Eu sou como a rocha
virada prò norte,
que acolhe a rajada
em concha bem forte
e a atira prò nada...
Fiz mal? Sim ou não?
Até os duendes,
escondidos e aduncos,
me negam razão.
O que é que vós tendes?
Tremeis como os juncos
nas bordas do rio.
Escondeis-vos de mim,
do meu poderio?
Do meu poderio!
Ah! Ah! Ah!
Tesouros saídos
de cofre guardado
em cave nojenta,
demónios roídos
de querer aturado
em bolsa sangrenta?
Fiz mal? Mas a quem?
Àqueles que ainda
não viram a luz
das coisas imundas?
De ideias fecundas
fiz braços em cruz?
A treva gerada
em dúvida vã
que cobre a minha alma
andou apressada;
a todos levou
a ânsia e a calma
em Deus embarcou?
Fiz mal? Como e onde?
E quando? E quando?
In "Os Sete Dias Passados"
Coimbra Editora – 1965
Isabel Gouveia **
N. 1930
** Nome literário de Isabel Pereira Mendes
OUTRA MADRUGADA
Outra madrugada, outra palavra, outras águas
que, ora violentas, ora serenas, ora
sedentas, como inconstantes graves amantes
descem aos olhos de Laura a violá-los, outros
silêncios, outros lumes, outros medos que ora
glaciais, ora cálidos, ora instáveis,
entre ruínas, delírios e desafios
lançam sobre os olhos a ténue gaze
que os vai delindo e a escurecê-los ousam,
sufocando-lhes, impiedosa, a amplidão
do verde no plaino áspero do tempo, somente os
mudarão em vasos de ouro eterno, acendendo
em Francesco outra maresia, nova seiva,
nova lira, outra ceifa, outra rosa do dia.
In “Nocturnidade”
Campo das Letras – 1999
Orlando Neves
1935 – 2005
EXÍLIO
Moramos a milhões de versos-luz
da mais próxima estrela. Que buscamos
na carne provisória que nos damos
senão este pavor dos ossos nus?
Entre rápidas rosas que anoitecem
e pássaros que tombam e navios
que em vão lançam as âncoras nos rios
e vão morrer no mar a que pertencem,
erguemos pontes, deuses, mitos, casas,
um verso que nem perto se decora.
– Quem nos deu sonho e asas
calou-se. Foi-se embora.
In “Cidade Sem Tempo”
Edição do Autor – 1985
António Luís Moita
N. 1925
ESTRELA
Estrela que me nasceste
quando a vista mal te alcança
nessa abóbada celeste,
onde a nossa alma descansa
a sua última esperança...
Estrela que me nasceste
quando a vista mal te alcança!
Antes nascesses mais cedo,
estrela da madrugada,
e não já noite cerrada...
Que até no céu mete medo
voa essa estrela isolada...
Antes nascesses mais cedo,
estrela da madrugada!
Flores do Campo
In “Campo de Flores”
Poesia Líricas Completas
Coordenado por Teófilo Braga
Livraria Bertrand
João de Deus
1830 – 1896
O PALÁCIO DA VENTURA
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!
In “Sonetos Completos”
Prefácio de Oliveira Martins
Publicações Anagrama. Lda.
Antero de Quental
1842 - 1891
IMAGEM DE TRÁS-OS-MONTES
Tua imagem, Trás-os-Montes,
– Painel de encanto e beleza:
É lindo altar de horizontes
Onde Deus tem sua mesa!
És formosa Região
Por muitos desconhecida!
Mas que vivem do teu pão
– Que é teu suor, sangue e vida!
Desde o Barroso ao Marão,
Vila Real a Bragança:
São terras de amargo pão
Onde não chega a mudança!
No teu espaço bendito
Há negros véus de tristeza!
Teus colossos de granito
São grito da Natureza!
Ergues a voz, como lança,
Num sonho sem dimensão!
Teu povo perdeu a esp’rança
Do sol da libertação!…
Continuas, tristemente,
Preso aos grilhões do passado!…
Tão escrava é tua gente
Que vive e morre a teu lado!…
Não tens praias nem tens mar
Como certa gente teima:
– Mas tens o sol da montanha
Que também bronzeia e queima!
Tens barragens e tens minas
Que te elevam às alturas!…
Tu, que o País iluminas
– Quase vives às escuras!…
Alto Douro e Trás-os-Montes
Pelos seus dons naturais…
São maravilhosas fontes
De riquezas nacionais!…
Trás-os-Montes, doce apego
Tem por ti meu coração!
Tu és, na paz e sossego:
– Catedral de Solidão!
Reino de Montes e serras,
De giestas e fragal!…
Tu és, com teu rol de terras:
Cabeça de Portugal!
Belver – Carrazeda de Ansiães
Agosto de 1981
In “O Grito das Fragas” – Julho 1983
Edição do Grupo de Acção Recreativa
e Cultural Semente Nova (GARC)
Castro Reis
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