ANTO
Caprichos de lilás, febres esguias,
Enlevos de ópio — Íris-abandono...
Saudades de luar, timbre de Outono,
Cristal de essências langues, fugidias...
O pajem débil das ternuras de cetim,
O friorento das carícias magoadas;
O príncipe das Ilhas transtornadas —
Senhor feudal das Torres de marfim...
(Indícios de Ouro – 1915)
In “Signos”
Lisboa Editora
Mário de Sá-Carneiro
1890 – 1916
PRESÍDIO
Tenho séculos submersos no teu corpo.
Apalpo a trovoada despida no olhar,
há aves que voam rente ao tempo cruel
relampejando geadas inesperadas.
Há abismos insurrectos
a transbordar champanhe nocturno.
Bebo o sorriso afogado
em luminosos cálices de trevas,
escuto chicotes ungindo labaredas
nos canais sombrios da alma.
Tenho séculos submersos no teu corpo.
Não sei como selar a decepção
que arde nos sulcos do desespero.
Colocaste-me grades na boca,
é insuportável o sangue descalço
que dança nuvens na garganta.
Trouxeste nos gestos ogivas lancinantes
a transplantar milénios de abandono.
Desmorono-me em silêncio
perseguido pelo assédio atómico
que flutua no encanto.
Anoitece em mim,
surtos desolados
escavam neblina na eternidade,
tudo grita o fim.
In "O áspero hálito do amanhã"
Edium Editores
Alberto Pereira
N. 1970
TRIBUTO EM AIS NO CORAÇÃO GERADOS
Tributo em ais, no coração gerados
Não dês à cara cinza, aflito Espôso;
Roçam da Vida o circulo afanoso
Caminhos florescentes, e estrelados.
Espiritos gentis, por Jove amados,
Volvendo a seu princípio luminoso,
Olham Sol não crestante, e mais formoso,
Vagueiam sem temor por entre os Fados.
Com alta fantasia, e rosto enxuto,
Vê nos Eliseos a imortal consorte.
Vê da Virtude a flor tornar-se em fruto.
Doce, augusta verdade Amor conforte;
Em vós, ó ímpios, a existência é luto,
E nos eleitos um sorriso a Morte.
In "Clássicos Portugueses – Trechos Escolhidos”
Século XVIII – Poesia – Bocage – Sonetos
Introdução, selecção e notas de Vitorino Nemésio
Liv. Clássica Editora – Lisboa – 1943
Manuel Maria de Barbosa du Bocage
1765 – 1805
FÓSSIL
As arestas da pedra são redondas
na mão desprevenida que as recebe
evaporadas, gastas pelas ondas
milenárias da praia que amanhece.
Mas são arestas quando, além da polpa
dos dedos mornos, outros dedos frios
aram na pedra o que na pedra é sombra,
numa cadência grave de navios.
Que mar antigo se dilata dentro
do fóssil mudo que já foi bivalve
e surge, aos olhos, coração cinzento,
sedento de uma nova humanidade?
Oiço-lhe o longo, longo chamamento...
– E, de repente, a pedra liquefaz-se.
In “Cidade Sem Tempo”
Edição do Autor – Lisboa – 1985
António Luís Moita
N. 1925
BASTASTE TU
Bastou aquele gesto
Da tua mão tocar tão docemente a minha
Pra nascerem raízes
Que me prendem à terra e me alimentam
Nas horas mais vazias
Bastou aquele olhar
- O teu olhar tão brando, prolongando-se um pouco sobre o meu –
Para iluminar as noites em que a lua se esconde
E a escuridão envolve um mundo sem sentido.
Bastou esse teu jeito de sorrir,
Um sorriso em que vejo despontar a confiança
Na vida não vivida, nas emoções ainda não sentidas,
Nos passos que ressoam noutros passos
Bastaste tu.
In “Silêncio de Vidro”
Editorial Escritor
Maria Eugénia Cunhal
N. 1927
SAUDADE MINHA
Minha saudade as cousas transfigura
num estranho delírio semelhante
ao desse eterno cavaleiro-andante
paladino do sonho e da loucura:
minha saudade é fonte que murmura
e em seu cantar humilde e marulhante
mata a sede que abrasa o caminhante
só de o embalar na líquida ternura...
Minha saudade os mundos alumia
os mortos ressuscita e é um sol-nascente
dourando ainda as trevas da agonia;
minha saudade é a força misteriosa
que torna cada cousa em mim presente
e a minha dor presente em cada cousa.
MORS – AMOR (1928)
In “Poesia Completa” – 2.ª edição
(Biblioteca de Autores Portugueses)
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
Anrique Paço D’Arcos*
1906 – 1993
* (Henrique Belford Correia da Silva – Conde de Paço D’Arcos)
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