SE TU VIESSES AGORA
Se tu viesses agora,
Se entrasses àquela porta
e te viesses sentar
mesmo defronte de mim
nesta cadeira vazia
ocupada de silêncio,
E me dissesses bom dia
boa tarde
ou boa noite
(qualquer coisa aconchegada
a anunciar o regresso),
e me sorrisses depois
num compromisso ternura,
Se o gesto da tua mão
recaísse no meu ombro
a atenuar a distância
entre mim e a tua ausência,
Se me desses a entender
que o erro das nossas vidas
não foi acto consumado
e que nada chega ao fim
sem que seja ultrapassado
pelo querer da decisão,
Se tudo isto acontecesse,
Se por milagre
ou loucura
eu agarrasse a lonjura
e te fizesse mais perto,
com certeza que morria
ou renascia contigo
nesse preciso momento.
In "Tempo de Passagem"
Editora Fora do Texto – Coimbra – 1991
Manuela Amaral
1934 – 1995
QUADRAS II
Peço às altas competências
Perdão, porque mal sei ler,
P'ra aquelas deficiências
Que os meus versos possam ter.
………………………….
Quando não tenhas à mão
Outro livro mais distinto,
Lê estes versos que são
Filhos das mágoas que sinto.
………………………….
Julgam-me mal sabedor;
E é tão grande o meu saber
Que desconheço o valor
Das quadras que sei fazer!
………………………….
Compreendo que envelheci
E que já daqui não passo,
Como não passam daqui
As pobres quadras que faço.
………………………….
Tal qual me sucede a mim;
Sem ter vulto, sem ter voz,
Vive qualquer coisa em nós
Que manda fazer assim.
………………………….
Vai-se uma luz, outra existe,
Nova aurora nos seduz;
Deve ser muito mais triste
A gente deixar a luz.
………………………….
Se pedir, peço cantando,
Sou mais atendido assim;
Porque, se pedir chorando,
Ninguém tem pena de mim.
…………………………..
Meu aspecto te enganou;
O que a gente é não se vê;
Pergunta a outrem quem sou,
Pois o que sou nem eu sei.
………………………….
Quem me vê dirá: não presta,
Nem mesmo quando lhe fale,
Porque ninguém traz na testa
O selo de quanto vale
………………………….
In “Este Livro Que Vos Deixo…”
Volume I – Editorial Notícias
António Aleixo
1899 – 1949
MINIBIOGRAFIA
Não me quero com o tempo nem com a moda
Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda.
Porque envelheço, adoeço, esqueço
Quanto a vida é gesto e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda.
E se a nave vier do fundo espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.
Um poema deixo, ao retardador:
Meia palavra a bom entendedor.
In "Poesia"
Organização e prefácio de Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim – 2001
Luiza Neto Jorge
1939 – 1989
ORIGEM DOS SONHOS ESQUECIDOS
Entre a bicicleta e a laranja
vai a distância de uma camisa branca
Entre o pássaro e a bandeira
vai a distância dum relógio solar
Entre a janela e o canto do lobo
vai a distância dum lago desesperado
Entre mim e a bola de bilhar
vai a distância dum sexo fulgurante
Qualquer pedaço de floresta ou tempestade
pode ser a distância
entre os teus braços fechados em si mesmos
e a noite encontrada para além do grito das panteras
qualquer grito de pantera
pode ser a distância
entre os teus passos
e o caminho em que eles se desfazem lentamente
Qualquer caminho
pode ser a distância
entre tu e eu
Qualquer distância
entre tu e eu
é a única e magnífica existência
do nosso amor que se devora sorrindo
In “A Única Real Tradição Viva”
Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
Assírio & Alvim
Mário-Henrique Leiria
1923 – 1980
EGOÍSMO
Que me importa
amor
que seja dia
ou que seja noite iluminada
Que me importa
amor
que seja a chuva
ou um novelo de paz a madrugada
Que me importa
amor
que seja o vento
ou a flor o fogo mais aceso
Que me importa
amor
que seja a raiva
Que me importa
amor
que seja o medo
In “Minha Senhora de Mim”
Editorial Futura – 1974
Maria Teresa Horta
N. 1937
A TUA ROCA
Quando te vejo à noitinha
Nessa cadeira sentada,
Xaile cruzado no peito,
Na cinta a roca enfeitada.
Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os lábios contando ao fio
Da tua boca segredos.
Eu digo, sem que tu oiças,
Pondo os olhos na tua roca:
Se eu um dia fosse estriga,
Beijaria aquela boca!
Que eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias do linho
Os brancos, finos cabelos!
E aquela fita de seda
Com que enleias o fiado,
Irmã do lencinho verde
Que trazes no penteado?
Parece aquilo um abraço
De um amor que é todo nosso,
A trança do teu cabelo
Em volta do meu pescoço!
É por isso que eu murmuro
Vendo a fita que se enreda:
Quem me dera ser a estriga,
E ela a fitinha de seda!
Eu já sei o que sinto,
Se tristeza, se ventura,
Mal que suspendes a roca
Da tua breve cintura!
Penso que fias nos dedos
Os dias da minha vida,
Ao pé de ti sempre curta,
Ao longe sempre comprida!
Pareces-me um ramalhete
Sentada nessa cadeira,
E a fita da tua roca
A silva de uma roseira.
Meu amor, quando acabares
De espiar a tua estriga
E ouvires por alta noite
Soluçar uma cantiga,
Sou eu que estou a lembrar-me
Da tua divina boca,
E penso que em mim são dados
Os beijos que dás na roca!
O Mundo Interior
In "Peninsulares"
José Simões Dias
1844 – 1899
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