Sábado, 30 de Junho de 2012

Recordando... Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

O QUE HÁ EM MIM É SOBRETUDO CANSAÇO

 

O que há em mim é sobretudo cansaço –

Não disto nem daquilo, 

Nem sequer de tudo ou de nada: 

Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 

Cansaço. 

 

A subtileza das sensações inúteis, 

As paixões violentas por coisa nenhuma, 

Os amores intensos por o suposto em alguém,  

Essas coisas todas –

Essas e o que falta nelas eternamente – ;  

Tudo isso faz um cansaço, 

Este cansaço, 

Cansaço. 

 

Há sem dúvida quem ame o infinito, 

Há sem dúvida quem deseje o impossível, 

Há sem dúvida quem não queira nada –

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles; 

Porque eu amo infinitamente o finito, 

Porque eu desejo impossivelmente o possível, 

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,  

Ou até se não puder ser... 

 

E o resultado? 

Para eles a vida vivida ou sonhada,  

Para eles o sonho sonhado ou vivido, 

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...  

Para mim só um grande, um profundo, 

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,  

Um supremíssimo cansaço,  

Íssimo, íssimo, íssimo, 

Cansaço...

 

 

Poesias de Álvaro Campos

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

1890 – 1935

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 25 de Junho de 2012

Recordando... Fernando Pessoa

AQUI ONDE SE ESPERA

 

Aqui onde se espera

- Sossego, só sossego -

Isso que outrora era,

 

Aqui onde, dormindo,

- Sossego, só sossego -

Se sente a noite vindo,

 

E nada importaria

- Sossego, só sossego -

Se fosse antes o dia,

 

Aqui, aqui estarei

- Sossego, só sossego  -

Como no exílio um rei, 

 

Gozando da ventura

- Sossego, só sossego -

De não ter a amargura

 

De reinar, mas guardando

- Sossego, só sossego -

O nome venerando...

 

Que mais quer quem descansa

- Sossego, só sossego -

Da dor e da esperança,

 

Que ter a negação

- Sossego, só sossego -

De todo o coração?

 

 

“Cancioneiro”

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética”

3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Terça-feira, 19 de Junho de 2012

Recordando... Alberto Caeiro/Fernando Pessoa

NUM DIA EXCESSIVAMENTE NÍTIDO

 

Num dia excessivamente nítido,

Dia em que dava a vontade de ter trabalhado muito

Para nele não trabalhar nada,

Entrevi, como uma estrada por entre as árvores,

O que talvez seja o Grande Segredo,

Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam.

 

Vi que não há Natureza,

Que Natureza não existe,

Que há montes, vales, planícies,

Que há árvores, flores, ervas,

Que há rios e pedras,

Mas que não há um todo a que isso pertença,

Que um conjunto real e verdadeiro

É uma doença das nossas ideias.

 

A Natureza é partes sem um todo.

Isto é talvez o tal mistério de que falam.

 

Foi isto o que sem pensar nem parar, 

Acertei que devia ser a verdade

Que todos andam a achar e que não acham,

E que só eu, porque a não fui achar, achei.

 

 

XLVII

O Guardador de Rebanhos

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Alberto Caeiro/Fernando Pessoa

1889 – 1915

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quarta-feira, 13 de Junho de 2012

Recordando... Fernando Pessoa

FOI UM MOMENTO

 

Foi um momento

O em que pousaste 

Sobre o meu braço,

Num movimento 

Mais de cansaço 

Que pensamento,

A tua mão

E a retiraste.

Senti ou não?

 

Não sei. Mas lembro

E sinto ainda 

Qualquer memória

Fixa e corpórea 

Onde pousaste

A mão que teve

Qualquer sentido

Incompreendido.

Mas tão de leve!...

 

Tudo isto é nada,

Mas numa estrada 

Como é a vida 

Há muita coisa 

Incompreendida...

 

Sei eu se quando 

A tua mão

Senti pousando 

Sobre o meu braço,

E um pouco, um pouco,

No coração,

Não houve um ritmo

Novo no espaço?

 

Como se tu, 

Sem o querer,

Em mim tocasses

Para dizer

Qualquer mistério,

Súbito e etéreo,

Que nem soubesses

Que tinha ser.

 

Assim a brisa

Nos ramos diz

Sem o saber

Uma imprecisa 

Coisa feliz.

 

 

“Cancioneiro”

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética”

3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quinta-feira, 7 de Junho de 2012

Recordando... Ricardo Reis/Fernando Pessoa

ANTES DE NÓS

 

Antes de nós nos mesmos arvoredos

Passou o vento, quando havia vento,

E as folhas não falavam

De outro modo do que hoje.

 

Passamos e agitamo-nos debalde.

Não fazemos mais ruído no que existe

Do que as folhas das árvores

Ou os passos do vento.

 

Tentemos pois com abandono assíduo

Entregar nosso esforço à Natureza

E não querer mais vida

Que a das árvores verdes.

 

Inutilmente parecemos grandes.

Salvo nós nada pelo mundo fora

Nos saúda a grandeza

Nem sem querer nos serve.

 

Se aqui, à beira-mar, o meu indício

Na areia o mar com ondas três o apaga,

Que fará na alta praia

Em que o mar é o Tempo?

 

 

Odes de Ricardo Reis

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Ricardo Reis/Fernando Pessoa

1887 – 1935

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sexta-feira, 1 de Junho de 2012

Recordando... Fernando Pessoa

RUBAIYAT

 

O fim do longo, inutil dia ensombra.

A mesma sp’rança que não deu se escombra,

Prolixa… A vida é um mendigo bebado

Que extende a mão á sua propria sombra.

 

Dormimos o universo. A extensa massa

Da confusão das cousas nos enlaça,

Sonhos; e a ebria confluencia humana

Vazia echoa-se de raça em raça.

 

Ao goso segue a dôr, e o goso a esta.

Ora o vinho bebemos porque é festa,

Ora o vinho bebemos porque ha dôr.

Mas de um e de outro vinho nada resta.

 

 

In “Contemporanea” – Grande Revista Mensal

Director – José Pacheco

Editor – Agostinho Fernandes

Volume I – N.os 1 – 2 – 3

Maio – Junho – Julho 1922

 

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

Mantém a grafia original

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Junho 2023

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Pedro Oom

. Recordando... Victor Oliv...

. Recordando... Pedro Mexia

. Recordando... José Terra ...

. Recordando... Ana Luísa A...

. Recordando... Miguel Alme...

. Recordando... Lília da Fo...

. Recordando... Alexandre O...

. Recordando... Camilo Pess...

.arquivos

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds