Quinta-feira, 31 de Maio de 2012

Recordando... Eugénio de Castro

PELAS LANDES, À NOITE

 

Pelas landes e pelas dunas

Andam os magros como pregos,

Os lobos magros como pregos,

Pelas landes e pelas dunas.

 

Olhos de fósforo, esfaimados,

Numa pavorosa alcateia,

Andam, andam buscando ceia,

Olhos de fósforo, esfaimados.

 

Na landes grandes, junto às dunas,

Um menino perdido anda,

Anda perdido, a chorar anda,

Nas landes, junto às brunas dunas,

 

Senhor Deus de Misericórdia,

Protegei o róseo menino,

Protegei o róseo menino,

Senhor Deus de Misericórdia,

 

Porque nas landes e nas dunas

Andam os magros como pregos,

Os lobos magros como pregos,

Nas grandes landes e nas dunas.

 

 

In “Oaristos – Horas  – Silva”

Lumen Empresa Internacional Editora – 1927

 

Eugénio de Castro

1869 – 1944

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Sexta-feira, 25 de Maio de 2012

Recordando... António de Sousa

BREVE POEMA ÉPICO

 

Sete leões e o profeta no meio,

com óculos, de preto, guarda chuva

e uma saudade desbotada

no bolso do coração.

 

O céu triste e calado como os mortos;

as colinas à espera de pintor

e o rio como um doido a bater palmas

e a babar-se nas fragas.

 

Sete leões da terra de ninguém

todos goelas  força e sede viva.

O profeta no meio, tão profeta

que o medo lhe parecia Anjo da Guarda.

 

Magro, pois a comida de palavras

nunca foi coisa que matasse a fome...

corpo talhado a jeito de baínha

ao espírito - uma espada feita de ar.

 

Sete leões como os sete pecados,

ali, inteiros, no Jardim de Deus;

as portas milenárias em pedaços

e o Todo-Alma a estuar de fé.

 

A cada uivo – um murmuro versículo;

para o raspar das unhas as mãos juntas

e aos saltos decisivos como raios,

um - Satan, vade retro! e o guarda-chuva!

 

Depois... tudo acabou na digestão

do profeta, do rio e até do céu!

Mas um poeta virá com outros sóis

para ver nascer flores dos cadáveres dos leões.

 

Coimbra – 1943

 

In “Sete Luas”

Editorial Inquérito Lda.

 

António de Sousa

1898 – 1981

 

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Sábado, 19 de Maio de 2012

Recordando... Miguel Torga

INÊS DE CASTRO

 

Antes do fim do mundo, despertar,

Sem D. Pedro sentir,

E dizer às donzelas que o luar

E o aceno do amado que há-de vir...

 

E mostrar-lhes que o amor contrariado

Triunfa até da própria sepultura:

O amante, mais terno e apaixonado,

Ergue a noiva caída à sua altura.

 

E pedir-lhes, depois fidelidade humana

Ao mito do poeta, à linda Inês...

À eterna Julieta castelhana

Do Romeu português.

 

 

(Poemas Ibéricos – 1965)  

 

In “Signos” – Lisboa Editora

 

Miguel Torga

1907 – 1995

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Domingo, 13 de Maio de 2012

Recordando... David Mourão-Ferreira

POESIA DE AMOR

 

Vieram as aves negras em teu nome,

Secas folhas de plátano e de tília...

Amargamente, a fonte segredou-me

Tudo quanto eu sabia

Da sorte de Marília;

E que Dirceu

Poderei ser eu

- Tão infeliz! - nesta prisão sombria.

 

Ausente embora, continuo

A endereçar-te mil endechas.

Não sei mais nada: sei amor. Assim destruiu,

Pela canção doentia

Coloração das minhas queixas.

Bárbara escrava?

Que me importava?

Além do amor, o meu amor quer melodia.

 

Cantei às flores do pinho, verde e vivo;

Cantei nas margens verdes das ribeiras.

- Quando hás-de ver que foste só motivo

Para falsas canções tão verdadeiras?

 

 

In “Tempestade de Verão”

Guimarães Editores

 

David Mourão-Ferreira

1927 – 1996

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Segunda-feira, 7 de Maio de 2012

Recordando... Gomes Leal

A UMA ANDORINHA

 

Nas brisas da tardinha

Pára teu vôo um pouco;

Ouve um poeta, um louco,

– Escuta-me andorinha!

 

Um pouco deixa os ninhos;

Attende as vãs loucuras,

–Tambem nas sepulturas

Vôam os passarinhos!

 

Nem sempre o azul ethereo

Quaes flexas vão cortando,

– Também riem, voando,

No chão do cemiterio!

 

Lavam os pés rosados

Nas urnas funeraes;

–Tu, mesmo, nos telhados

Moras das cathedraes!

 

Não fujas d'um poeta,

Que ha nuvens mais sombrias!

– Tu  já moraste uns dias

No nicho d'um propheta!

 

Por tanto, tu que adoras

A primavera e o Sul,

Dize-me, – no alto azul,

Quem faz sempre as Auroras!

 

Quem dá tintas vermelhas

Ao Sol poente que arde?

– Quem  coze as nuvens velhas,

E accende o astro da tarde?

 

Os campos dão renovos

Tambem, n'outras espheras?

– Quem faz as primaveras?

– Quem  faz os astros novos?

 

Quem faz a ave-flor?

Quem tinge o temporal?

– Quem faz a pomba, côr

Do lyrio virginal?

 

No Sol ha violetas,

E rios, campos, vinhas?

– Dize, se nos planetas?...

Tambem ha andorinhas...

 

E tu que mais almejas?

Tens sol, astros e ninhos--

Tens tudo o que desejas...

– Luz, grãos, pelos caminhos!

 

Ó triste ambicionar!

Ó santo e vão delirio!

– Talvez, ó filha do Ar

Quizesses ser um lyrio!

 

 

In “Claridades do Sul”

Braz Pinheiro – Editor

Lisboa – 1875

 

Gomes Leal

1848 – 1921

 

 

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Terça-feira, 1 de Maio de 2012

Recordando... José Afonso

TRAZ OUTRO AMIGO TAMBÉM

 

Amigo

Maior que o pensamento

Por essa estrada amigo vem

Não percas tempo que o vento

É meu amigo também

 

Em terras

Em todas as fronteiras

Seja bem-vindo quem vier por bem

Se alguém houver que não queira

Trá-lo contigo também

 

Aqueles

Aqueles que ficaram

(Em toda a parte todo o mundo tem)

Em sonhos me visitaram

Traz outro amigo também

 

 

In ”Textos e Canções”

Relógio d’Água Editores – Out.2000

 

José Afonso

1929 – 1987 

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