CANÇÃO TÃO SIMPLES
Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?
Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu país?
Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passas?
Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?
In “O Canto e as Armas”
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
N. 1936
SÓ DEUS
Quem manda ao peregrino, afadigado
Das lides da romagem,
Um perfume da pátria, misturado
Doutros climas na aragem?
Quem lhe diz «Lá te espera o teu albergue
E os filhinhos e a esposa
Que a Deus por ti as mãos trémulas ergue
Em prece fervorosa?»
Quem ao nauta, perdido entre a procela,
Longe nos horizontes,
Mostra do raio à luz, rápida e bela,
Da sua aldeia os montes?
Quem lhe diz «No Senhor tem fé e espera
Que não tarda a bonança,
E sempre, mais e mais, nos seios gera
Nova, fecunda esperança?»
Quem aos órfãos do mundo abandonados,
Envia docemente,
Para aquecer-lhe os membros congelados,
Do sol um raio ardente?
Quem à viúva infeliz enxuga o pranto
Co’a mão da caridade
E lhe leva um consolo sacrossanto
Às trevas da orfandade?
Ao cativo, que chora entre as algemas
De infame tirania,
Quem diz «Bem cedo há-de raiar, não temas,
Da liberdade o dia?»
Vãs perguntas: Seu nome não se esconde,
Em tudo está presente...
Não ouves uma voz que te responde:
«É Deus! é Deus somente?!»
In ”A Grinalda” *
Guilherme Braga
1845 – 1874
* Foi um antigo (1855-1859) jornal portuense de poesia romântica.
A NOSSA SENHORA
Ó mystica mulher, nascida na Judeia,
Phantasma espiritual da legenda christã!
Imperatriz do Céu, que para Além se alteia,
A Nação de que a Terra é uma pequena aldeia,
E simples logarejo a Estrella-da-manhã!
Morena aldeã dos arredores de Belem!
Mãe admiravel! Mãe do Soffrimento humano!
Mãe das campínas! Mãe da Lua! Mãe do Oceano!
Ó Mãe de todos nós! Ó Mãe de minha Mãe!
Vela do Altar! Caza de Oiro! Arca da Alliança!
Rede do Pescador! Lanterna do ceguinho!
Ó meu primeiro amor! Minha ultima Esperança!
Amparo de quem vae pela existencia, e cança!
Oblação pura! Silva de ais! Vela de Moinho!
Meu Sete Estrello! Mar de leite! Meu Thesoiro!
Palacio de David! Ó Torre de Marfim!
Anjo da Perfeição! cujo cabello loiro,
Caído para traz, lembra uma vinha de oiro,
Que eu desejara vêr aos cachos sobre mim…
Grão das searas! Sol d’Abril! Luar de Janeiro!
Luar que ruge os cravos, sol que faz corar a vide…
Alimento dos Bons! Farinha do moleiro!
Auxilio dos christãos! Vela do marinheiro!
Porta do Céu! Gloria da caza de David!
Sol dos soes! Ancora eburnea! Águia do Immenso!
Vinho de uncção! Pão de luz! Trigo dos Eleitos!
Ideal, por quem, a esta hora, em todo o Mundo, eu penso,
No Ar se ergue, em espiraes, um nevoeiro de incenso,
E desgraçados, aos milhões, batem nos peitos…
Ó Fonte de Bondade! Ó Fonte de meus dias!
Vaso de insigne Devoção! Onda do Mar!
Corôa do Universo! Aza das cotovias!
Ogiva ideal! Cauza das nossas alegrias!
Ó Choupo sancto! Ó Flôr do linho! Ó nuvem do Ar.
Carne, de Christo! Cidadella de altos muros!
Sanctuario da Fé. Lancha de Salvação!
Alma do Mundo! Avó dos seculos futuros!
Fortaleza da Paz! Via-Lactea dos Puros!
Monte de Jaspe! Roza mystica! Alvo Pão!
Sangue do leal Jezus! Cadeira da Verdade!
Vime celeste! Agoa do Mar! Pérola Unica!
Mulher com vinte seculos de edade
E sempre linda mocidade
Pelas ruas do céu, passas, cingindo a tunica…
Cesto de Flôres, Advogada Nossa!
Alveu de espuma! Cotovia dos Amantes!
Escada de Jacob! Sol da Sabedoria!
Rainha dos Mundos! Pão nosso de cada dia!
Ó veu das noivas! Ó Pharol dos navegantes!
Ó Leme da Arca-Sancta! Ó Cruz dos sitios ermos!
Toalha de linho! Hostia de luz! Cálix da Missa!
Modelo da Pureza! Espelho da Justiça!
Estrella da Manhã! Saude dos enfermos!
Ó Virgem Poderoza! Ó Virgem Clementissima!
Ó Virgem Soffredora! Ó Virgem Protectora!
Ó Virgem Piedoza! Ó Virgem Perfeitisima!
Virgem das Virgens! Minha Mãe! Nossa Senhora!
Coimbra, 1889
In “Primeiros Versos” – 2ª edição
Biblioteca de Iniciação Literária
Lello e Irmão – 1984
António Nobre
1867 – 1900
MANTÉM A GRAFIA ORIGINAL
EIS A VELHA CIDADE!
Eis a velha cidade! a cortesã devassa,
A velha imperatriz da inércia e da cubicar,
Que da torpeza acorda e á pressa corre á missa!
Baixando o olhar incerto em frente de quem passa!
Ella estreita no seio a velha populaça,
Nas vis dissoluções da lama e da preguiça,
E nunca o santo impulso, o grito da Justiça,
Lhe fez estremecer a fibra inerte e lassa!
E póde receber o beijo e a bofetada
Sem que sinta o rubor da cólera sagrada
Acender-lhe na face as duas rosas belas!
Somente d'um sorriso alvar e desonesto,
Ás vezes, acompanha o provocante gesto
Quando soa a guitarra, á noite, nas vielas!
In “A Alma Nova”
I. N. – Casa da Moeda
Guilherme de Azevedo
1839 – 1882
BEIJO
Beijo na face
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
Vá!
Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta
Vá!
Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente...
Vá!
Guardo segredo,,
Não tenha medo...
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!
Como ele é doce!
Como ele trouxe,
Flor!
Paz a meu seio;
Saciar-me veio,
Amor!
Saciar-me? louco...
Um é tão pouco,
Flor!
Deixa, concede
Que eu mate a sede,
Amor!
Talvez te leve
O vento em breve,
Flor!
A vida foge,
A vida é hoje,
Amor!
Guardo segredo,
Não tenhas medo
Pois!
Um mais na face,
E a mais não passe!
Dois...
Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas...
Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
Três!
Três é a conta
Certinha e justa...
Vês?
E o que te custa?
Não sejas tonta!
Três!
Três, sim. Não cuides
Que te desgraças:
Vês?
Três são as Graças,
Três as Virtudes,
Três.
As folhas santas
Que o lírio fecha,
Vês?
E não o deixam
Manchar, são... quantas?
Três!
In “Flores do Campo”
2ª edição – 1876
Livraria Universal de Magalhães & Moniz, Editores
João de Deus
1830 – 1896
BOM DIA
Não há magia como Bom dia
Para começar bem a manhã.
Dá alegria, dá energia
esta magia feliz e sã.
Bom dia Mãe, Bom dia Pai.
Bom dia Avó, Bom dia Avô.
Bom dia manos, Bom dia Gato.
Bom dia, dia que começou.
E aquele velhinho que não tem nada
que anda perdido pelo caminho
ouviu Bom dia, ficou calado
mas já se sente menos sozinho.
In “ABC das Coisas Mágicas”
Edições ASA
Rosa Lobato de Faria
1932 – 2010
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