CAMINHO
Tenho sonhos cruéis; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!
Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora,
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
Clepsidra
In ”Ler Por Gosto”
Areal Editores
Camilo Pessanha
1867 – 1926
FORMOSA INÊS
Choram ainda a tua morte escura
Aqueles que chorando a memoraram;
As lágrimas choradas não secaram
Nos saudosos campos da ternura.
Santa entre as santas pela má ventura,
Rainha, mais que todas que reinaram;
Amada, os teus amores não passaram
E és sempre bela e viva e loira e pura.
Ó Linda, sonha aí, posta em sossego
No teu moimento de alva pedra fina,
Como outrora na Fonte do Mondego.
Dorme, sombra de graça e de saudade,
Colo de Garça, amor, moça menina,
Bem-amada por toda a Eternidade!
(Ilhas de Bruma)
In “Antologia Poética de Inês de Castro”
Org. Maria Leonor Machado de Sousa
ACD Editores – Coimbra
Afonso Lopes Vieira
1878 – 1946
QUANDO VIERES
Encontrarás tudo como quando partiste.
A mãe bordará a um canto da sala...
Apenas os cabelos mais brancos
E o olhar mais cansado.
O pai fumará o cigarro depois do jantar
E lerá o jornal.
Quando vieres
Só não encontrarás aquela menina de saias curtas
E cabelos entrançados
Que deixaste um dia.
Mas os meus filhos brincarão nos teus joelhos
Como se te tivessem sempre conhecido.
Quando vieres
nenhum de nós dirá nada
mas a mãe largará o bordado
o pai largará o jornal
as crianças os brinquedos
e abriremos para ti os nossos corações.
Pois quando tu vieres
Não és só tu que vens
É todo um mundo novo que despontará lá fora
Quando vieres.
In “Silêncio de Vidro”
Editorial Escritor
Maria Eugénia Cunhal
N. 1927
ENTARDECER NA PRAIA DA LUZ
Espreguiçados, os ramos
das palmeiras filtram
a luz que sobra
do dia. É já noite
nas folhas. O branco
das paredes recolhe
o sangue e o vinho
das buganvílias
e hibiscos. Bebe-os
de um trago: saberás
que, mais do que cegueira, a noite
é uma embriaguez perfeita.
In “Castália e Outros Poemas”
Editora Campo das Letras
Albano Martins
N. 1930
OS POBREZINHOS
Pobres de pobres são pobrezinhos,
Almas sem lares, aves sem ninho...
Passam em bandos, em alcateias,
Pelas herdades, pelas aldeias.
É em Novembro, rugem procelas...
Deus nos acuda, nos livre delas!
Vêm por desertos, por estevais,
Mantas aos ombros, grandes bornais.
Como farrapos, coisas sombrias,
Trapos levados nas ventanias...
Filhos de Cristo, filhos de Adão,
Buscam no mundo côdeas de pão!
Há-os ceguinhos, em treva densa,
D’olhos fechados desde nascença
Há-os com f’ridas esburacadas,
Roxas de lírios, já gangrenadas.
Uns de voz rouca, grandes bordões,
Quem sabe lá se serão ladrões!...
Outros humildes, riso magoado,
Lembram Jesus que ande disfarçado...
Enjeitadinhos, rotos, sem pão,
Tremem maleitas d’olhos no chão...
Campos e vinhas!... hortas com flores!...
Ai, que ditosos os lavradores!
Olha, fumegam tectos e lares...
Fumo tão lindo!... branco nos ares!...
Batem às portas, erguem-se as mães,
Choram meninos, ladram os cães...
Rezam e cantam, levam a esmola,
Vinho no bucho, pão na sacola.
Fruto da horta, caldo ou toucinho,
Dão sempre os pobres a um pobrezinho.
Um que tem chagas, velho coitado,
Quer ligaduras ou mel-rosado.
Outro, promessa feita a Maria,
Deitam-lhe azeite na almotolia.
Pelos alpendres, pelos currais,
Dormem deitados como animais.
Em caravanas, em alcateias,
Vão por herdades, vão por aldeias...
Sabem cantigas, oraçõezinhas,
Contos d’estrelas, rei e rainhas....
Choram cantando, penam rezando,
Ai, só a morte sabe até quando!
Mas no outro mundo Deus lhes prepara
Leito o mais alvo, ceia a mais rara...
Os pés doridos lhos lavarão
Santos e santas, com devoção!
Para lavá-los perfumaria
Em gomil d’ouro, d’ouro a bacia,
E embalsamados, transfigurados,
Túnicas brancas, como em noivados,
Viverão sempre na eterna luz
Pobres benditos, amem, Jesus!...
In "Os Simples"
Guerra Junqueiro
1850 – 1923
O HOMEM CAÍDO
Alugam-se quartos na memória.
Os neurónios mobilados
com pensamentos carnívoros,
babam máscaras
na castração mental.
Rangem aflições
no metropolitano cardíaco,
chegam carruagens ácidas
ao apeadeiro corporal.
Nas veias descem cicatrizes
decotadas de madrugada
e os homens caídos
rendilham o sangue sulcados na desolação.
In "O Áspero Hálito Do Amanhã"
Edium Editores
Alberto Pereira
N. 1970
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