Á HORA DO SILÊNCIO
Eu quis ontem sonhar, sentir como um romântico
A doce embriaguez do pálido luar,
Ouvindo em pleno azul passar o imenso cântico
Dos astros no seu giro e em sua luta o mar!
A cidade dormia o sono dos devassos;
Aquele sono turvo, infecto e sensual:
E a lua, antiga fada, erguia nos espaços
Tranquila e sempre ingénua a fronte de vestal!
E sobre a quietação das coisas vis e exóticas
Sentiam-se as febris, cruéis respirações,
Dos tristes hospitais e das virgens cloroticas,
Dos amantes fatais da febre e das paixões!
A noite era em silencio, a atmosfera doce
E ria a natureza aos beijos dum bom Deus.
De súbito escutei, ao longe, o quer que fosse
Dum canto que supus então baixar dos céus!
Atento ao vago som, porém, a pouco e pouco
Senti que era uma voz disforme e sensual,
Soltando uma canção naquele acento rouco
Da triste inspiração alcoólica e brutal!...
Ó terna vagabunda, enamorada lua!
Enquanto ias assim, diáfana e sem véu,
Uma triste mulher passava, então, na rua
Cuspindo uma porção d'infâmias para o céu!
In “A Alma Nova”
Impresso na Typographia Sousa & Filho – Lisboa
Guilherme de Azevedo
1839 – 1882
NÃO PRONUNCIO
Não pronuncio o teu nome
porque tens para mim
a inominável realidade da essência.
Não te sei
não te lembro
só te vivo.
Por teus olhos
(talvez claríssimos)
me entra o mundo.
In “PARTITURA”
Edições Colibri – Abril de 1999
Fátima Andersen
N. 1940
CATEDRAL DE POESIA
Meu Porto, de António Nobre,
Garrett e Júlio Dinis.
De Louros o Céu te cobre,
– Que fosses grande Deus quis!
De Augusto Gil foste berço
E de Ramalho Ortigão.
E, entre outros de alto apreço,
Do grande Raúl Brandão!
E de tantos que te amaram
Enaltecendo o teu chão:
Não sendo filhos, provaram
Que o foram p’lo coração!
P’las tuas páginas de ouro
De rutilantes clarões:
Tu és Sagrado Tesouro
Desta Pátria de Camões.
Cidade feita de encanto,
Eu te exalto de alegria.
Ao teu nome ergo o meu canto,
– És Catedral de Poesia!
In ”Esta Cidade Que Eu Amo”
Edição do Grupo de Acção Recreativa
e Cultural Semente Nova (GARC)
Agosto de 1985 – Porto
Castro Reis
1918 – 2007
BIBLIOTECA
Abre-se a arca dos sonhos
sob os dedos que viram a página
brancos leves divinos
de fantasia
Abre-se o livro e saltam histórias
memórias
palavras de oiro
corações em música
baladas de amor ao encontro dos lábios
os sonhos povoam os livros
que as mãos das crianças devoram
na biblioteca. E são os Pinóquios
Mosqueteiros, Fadas Madrinhas
Bruxas Más, Principezinhos
Como são Tom Sawyer, Sandokan
ou Robinson Crusoe de todas as infâncias
E as asas voam sem limites
a riscar o infinito.
São lombadas e lombadas
de saber universal, olhos que procuram
ansiosos romances poemas filosofia
como quem busca a geometria
rumorosa da plenitude
Horas perdidas, horas ganhas
no horizonte amigo do Verbo
entre o azul do céu
e a sinfonia quente do livro
1997
In “Poetas & Trovadores”
Ano XVlll – 3ª edição – n.º 1 – Abril de 1998
Artur F. Coimbra
N. 1956
MUITO ME TARDA
Tarda na Guarda amiga em flor:
Cinza de pedra não seria,
Mas era assim como uma dor
Que da viagem se fazia.
Como uma ovelha cujo velo
À força de anos e de ervinhas
Alvo se torna, de amarelo
Aos olhos de aves ribeirinhas,
Fronteira tive a tristeza
A tudo sonhado um dia:
A Guarda é forte, que a reveza
Com um quase nada de alegria.
Muito me tarda a morte! Houvera
De viver rei, anjo ou pastor...
Era outra a pele: mudava de era
E ovelha parda
Por amor.
Mas só na Guarda!
Tardar ao longe, só na Guarda,
A que me espera.
In “A Poesia das Beiras” – (Antologia)
Edições Caixotim
Vitorino Nemésio
1901 – 1978
ASSIM SÃO AS ALGAS
Das palavras
que aprendeste
só uma
não tem tradução.
Quando traduzes
o amor, tu sabes
que é já outro o seu nome.
Assim são as algas
quando apodrecem.
In “Escrito a Vermelho”
Editora Campo das Letras
Albano Martins
N. 1930
PROCURO-TE
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre - procuro-te.
In “As Palavras Interditas”
Centro Bibliográfico – Lisboa
Eugénio de Andrade
1923 – 2005
AMIGO! AMIGO!
Lembras-te do jardim irreal e triste?
Do lago onde boiavam peixes de jade?
Existe ainda esse jardim irreal e triste?
Para voltar sempre parece tarde.
Dormias como um deus sobre anémonas brancas
Corno eras tão jovem, tão simples, tão claro!
Teu rosto e tuas mãos eram anémonas brancas.
Só a memória guarda o teu retrato.
Que fizemos do nosso único momento?
Do grande? do verdadeiro, do exacto?
Agora o que há entre nós não tem momento;
Está fora do tempo e do espaço.
In “As Folhas de Poesia Távola Redonda"
Fundação Calouste Gulbenkian
Boletim Cultural – Série VI – n.º 11 – Outubro.1988
Maria Manuela Couto Viana
1919 – 1983
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Fernando As...
. Recordando... Carlos Camp...
. Recordando... Ivone Chini...
. Recordando... Edmundo de ...
. Recordando... Branquinho ...
. Recordando... Carlos Ramo...
. Recordando... António Pin...
. Recordando... Sidónio Mur...