O POEMA ORIGINAL
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
In “Resumo”
Sem indicação da Editora – 1972
Distribuído por Livraria Quadrante – Lisboa
José Carlos Ary dos Santos
1937 – 1984
LITANIA DO NATAL
A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mãos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que então me recordei do santo dia.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»
E assim, mais uma vez, Jesus nascia.
In “Filho do Homem”
Portugália Editora
José Régio
1901 – 1969
QUANDO EU FOR GRANDE
Ó mãe,
Quando for grande.
Hei-de agarrar aquela estrela além,
A mais pequenina,
Que treme de medo por cima do Forte
De Santa Catarina;
Tadinha da estrela, ó mãe!...
Faz-lhe medo o mar,
Sempre a ralhar, sempre a ralhar...
Quando for grande,
Hei-de pedir às ondas barulhentas
Que batam devagar,
Devagarinho,
Devagarinho como a tua voz
A adormecer o teu menino...
Olha, vê,
Não chego à estrela, não.
Sou pequenino;
Quando for grande,
(Amanhã já vou grande, mãe?...),
Vou ao barquito do «Pereirão» de Buarcos,
E bato no mar
Até ele chorar...
E a estrela, sem medo,
Há-de deixar-se agarrar,
Porque eu sou grande,
Bati no mar!...
Quando fores rezar
Á capela do Forte
Hei-de ir de mansinho,
Mais de mansinho que as ondas a chorar,
E ponho a estrela pequenina
No teu cabelo...
Hás-de parecer Santa Catarina,
Inda mais linda!...
Depois fujo a buscar mais estrelinhas
Medrosas
E atiro-as às redes dos pescadores pobrinhos,
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Tás a chorar?!...
Aquela estrela não é linda se calhar...
Deixa lá, mãezinha;
Quando for grande,
Levo-te ao céu e escolhes uma maiorzinha...
(Amanhã já sou grande, mãe?...).
In “Leituras” – (Segundo Tomo) – 1.ª Edição
Maria Almira Medina
N. 1920
HISTÓRIA ANTIGA
Era uma vez, lá na Judeia, um rei,
Feio bicho, de resto:
Um cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E na verdade, assim acontecia,
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Ou não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
In “Antologia Poética”
Edição do Autor – Coimbra – 1981
Miguel Torga
1907 – 1995
ADORAI, MONTANHAS
Adorai, montanhas,
o Deus das alturas,
também das verduras.
Adorai, desertos
e serras floridas,
o Deus dos secretos,
o Senhor das vidas.
Ribeiras crescidas,
louvai nas alturas
Deus das criaturas.
Louvai, arvoredos
de fruto prezado,
digam os penedos:
Deus seja louvado!
E louve meu gado,
nestas verduras,
o Deus das alturas.
Auto da Feira
Gil Vicente
1465 – 1536?
ROMANCE
Depois daquela noite os teus seios incharam;
as tuas ancas alargaram-se;
e os teus parentes admiraram-se
e falaram, falaram…
Porque falaram de uma coisa tal bela,
tal simples, tão natural?
Tu não parias uma estrela
nem uma noite de vendaval…
Mas tudo terminou porque falaram.
Tu fraquejaste e tudo terminou.
– Os teus seios desincharam;
só a tristeza ficou.
Ficou a tristeza de uma coisa tão bela,
tão simples, tão natural…
– Tu não parias uma estrela,
nem uma noite de vendaval…
In “Passagem de Nível”
Portugália Editora
Sidónio Muralha
1920 – 1982
SERÁ BRANDO O RIGOR
Será brando o rigor, firme a mudança,
Humilde a presunção, vária a firmeza,
Fraco o valor, cobarde a fortaleza,
Triste o prazer, discreta a confiança;
Terá a ingratidão firme lembrança,
Será rude o saber, sábia a rudeza,
Lhana a ficção, sofística a lhaneza,
Áspero o amor, benigna a esquivança;
Será merecimento a indignidade,
Defeito a perfeição, culpa a defensa,
Intrépito o temor, dura a piedade,
Delito a obrigação, favor a ofensa,
Verdadeira a traição, falsa a verdade,
Antes que vosso amor meu peito vença.
In “Cem Sonetos Portugueses”
(Selecção, organização e introdução de
José Fanha e José Jorge Letria)
Terramar Editores
Soror Violante do Céu
1601 – 1693
1º DE DEZEMBRO
Tanto rugiu ameaças a tormenta,
Que a Pátria, em sobressalto, abriu o olhar.
Sessenta anos dormíramos, sessenta.
Era já tempo, ao cabo, de acordar!
Numa explosão de cólera violenta,
Levantámo-nos trémulos, a arfar...
Quando, em vagas, de súbito rebenta,
Mostra que inda tem músculos o mar!
Voltem, sim, podem vir, façam-nos guerra,
E, desde o Oceano aos píncaros da serra,
Será nosso o pão nosso até final...
Que esta certeza resta-nos ao menos:
- Ela tão grande e nós, nós tão pequenos,
Não coube nunca em Espanha Portugal!
«Da saudade e do amor» - 1920
In “Portugal Gigante”
Alberto Monsaraz
1889 – 1959
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