Terça-feira, 29 de Junho de 2010

Recordando... Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

SONETO JÁ ANTIGO

Olha, Daisy, quando eu morrer tu hás-de
dizer aos meus amigos aí de Londres,
embora não o sintas, tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de

Londres p’ra Iorque, onde nasceste (dizes…

que eu nada que tu digas acredito),
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes,

 
embora não o saibas, que morri.
mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará… Depois vai dar

a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!

 

 

Poesias de Álvaro Campos

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

1890 – 1935

 

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Sexta-feira, 25 de Junho de 2010

Recordando... Fernando Pessoa

O MENINO DA SUA MÃE 
 

No plaino abandonado 
Que a morta brisa aquece,  
De balas traspassado 
– Duas, de lado a lado –,  
Jaz morto, e arrefece.  

 

Raia-lhe a farda o sangue.  
De braços estendidos,  
Alvo, louro, exangue,  
Fita com olhar langue 
E cego os céus perdidos.  

 

Tão jovem! que jovem era! 
(Agora que idade tem?) 
Filho único, a mãe lhe dera 
Um nome e o mantivera:  
"O menino da sua mãe."  

 

Caiu-lhe da algibeira 
A cigarreira breve.  
Dera-lhe a mãe. Está inteira 
E boa a cigarreira.  
Ele é que já não serve.  

 

De outra algibeira, alada 
Ponta a roçar o solo,  
A brancura embainhada 
De um lenço... Deu-lho a criada 
Velha que o trouxe ao colo. 

 

Lá longe, em casa, há a prece:  
"Que volte cedo, e bem!" 
(Malhas que o Império tece!)  
Jaz morto, e apodrece,  
O menino da sua mãe.    

 

 

Cancioneiro

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

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Segunda-feira, 21 de Junho de 2010

Recordando... Ricardo Reis/Fernando Pessoa

PREFIRO ROSAS

 

Prefiro rosas, meu amor, à pátria, 
E antes magnólias amo 
Que a glória e a virtude. 

Logo que a vida me não canse, deixo 
Que a vida por mim passe 
Logo que eu fique o mesmo. 

Que importa àquele a quem já nada importa 
Que um perca e outro vença, 
Se a aurora raia sempre, 

Se cada ano com a Primavera 
As folhas aparecem 
E com o Outono cessam? 

E o resto, as outras coisas que os humanos 
Acrescentam à vida, 
Que me aumentam na alma? 

Nada, salvo o desejo de indif’rença 
E a confiança mole 
Na hora fugitiva. 

 

 

Odes de Ricardo Reis

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Ricardo Reis/Fernando Pessoa

1887 – 1935

 

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Quinta-feira, 17 de Junho de 2010

Recordando... Alberto Caeiro/Fernando Pessoa

SE EU MORRER NOVO

 

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

 

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força.  Nada o pode impedir.

 

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

 

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva –  
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo

(E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

 

Uma vez amei, julguei que me amariam, 
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão –

Porque não tinha que ser.

 

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.
 

 

Poemas Inconjuntos

 

Poemas de Alberto Caeiro

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Alberto Caeiro/Fernando Pessoa

1889 – 1915

 

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Domingo, 13 de Junho de 2010

Recordando... Fernando Pessoa

TRILA NA NOITE UMA FLAUTA

 

Trila na noite uma flauta. É de algum
Pastor? Que importa? Perdida
Série de notas vaga e sem sentido nenhum,
Como a vida.

Sem nexo ou princípio ou fim ondeia
A ária alada.
Pobre ária fora de música e de voz, tão cheia
De não ser nada!

Não há nexo ou fio por que se lembre aquela
Ária, ao parar;
E já ao ouvi-la sofro a saudade dela
E o quando cessar.


Cancioneiro

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética”

3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

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Quarta-feira, 9 de Junho de 2010

Recordando... Ricardo Reis/Fernando Pessoa

MESTRE

 

Mestre, são plácidas 
Todas as horas 
Que nós perdemos,  
Se no perdê-las, 
Qual numa jarra, 
Nós pomos flores. 

Não há tristezas 
Nem alegrias 
Na nossa vida. 
Assim saibamos, 
Sábios incautos, 
Não a viver, 

Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos, 
Tendo as crianças 
Por nossas mestras, 
E os olhos cheios 
de Natureza... 

À beira-rio, 
À beira-estrada, 
Conforme calha, 
Sempre no mesmo 
Leve descanso 
De estar vivendo. 

O tempo passa,
Não nos diz nada. 
Envelhecemos. 
Saibamos, quase 
Maliciosos, 
Sentir-nos ir. 

Não vale a pena
Fazer um gesto. 
Não se resiste 
Ao deus atroz 
Que os próprios filhos 
Devora sempre. 

Colhamos flores.
Molhemos leves 
As nossas mãos 
Nos rios calmos, 
Para aprendermos 

Calma também. 

Girassóis sempre
Fitando o sol, 
Da vida iremos 
Tranquilos, tendo 

Nem o remorso 
De ter vivido.

 

 

Odes de Ricardo Reis

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Ricardo Reis/Fernando Pessoa

1887 – 1935



 

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Sábado, 5 de Junho de 2010

Recordando... Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

AH UM SONETO!!!

 

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas – esta é boa! – era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...

 

 

Poesias de Álvaro Campos

 

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

1890 – 1935

 

 

 

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Terça-feira, 1 de Junho de 2010

Recordando... Fernando Pessoa

ACONTECEU-ME DO ALTO DO INFINITO

 

Aconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu próprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e através estranhos ritos

De sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incógnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito...

Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planícies de céu baixo e neve
Nalguma coisa de alma do que é meu.

Narrei-me à sombra e não me achei sentido.
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido...

 

 

Passos da Cruz – Cancioneiro

 

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética”

3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

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