ARTE POÉTICA
Gostaria de começar com uma pergunta
ou então com o simples facto
das rosas que daqui se vêem
entrarem no poema.
O que é então o poema?
um tecido de orifícios por onde entra o corpo
sentado à mesa e o modo
como as rosas me espreitam da janela?
Lá fora um jardineiro trabalha,
uma criança corre, uma gota de orvalho
acaba de evaporar-se e a humidade do ar
não entra no poema.
Amanhã estará murcha aquela rosa:
poderá escolher o epitáfio, a mão que a sepulte
e depois entrar num canteiro do poema,
enquanto um botão abre em verso livre
lá fora onde pulsa o rumor do dia.
O que são as rosas dentro e fora
do poema? Onde estou eu no verso em que
a criança se atirou ao chão cansada de correr?
E são horas do almoço do jardineiro!
Como se fosse indiferente a gota de orvalho
ter ou não entrado no poema!
In “Soletrar o Dia – Obra Poética”
Quasi Edições – 2002
Rosa Alice da Silva Branco
N. 1950
EXPLICAÇÃO DO PAÍS DE ABRIL
País de Abril é o sítio do poema.
Não fica nos terraços da saudade
não fica nas longas terras. Fica exactamente aqui
tão perto que parece longe.
Tem pinheiros e mar tem rios
tem muita gente e muita solidão
dias de festa que são dias tristes às avessas
é rua e sonho é dolorosa intimidade.
Não procurem nos livros que não vem nos livros
País de Abril fica no ventre das manhãs
fica na mágoa de o sabermos tão presente
que nos torna doentes sua ausência.
País de Abril é muito mais que pura geografia
é muito mais que estradas pontes monumentos
viaja-se por dentro e tem caminhos veias
- os carris infinitos dos comboios da vida.
País de Abril é uma saudade de vindima
é terra e sonho e melodia de ser terra e sonho
território de fruta no pomar das veias
onde operários erguem as cidades do poema.
Não procurem na História que não vem na História.
País de Abril fica no sol interior das uvas
fica à distância de um só gesto os ventos dizem
que basta apenas estender a mão.
País de Abril tem gente que não sabe ler
os avisos secretos do poema.
Por isso é que o poema aprende a voz dos ventos
para falar aos homens do País de Abril.
Mais aprende que o mundo é do tamanho
que os homens queiram que o mundo tenha:
o tamanho que os ventos dão aos homens
quando sopram à noite no País de Abril.
In “Praça da Canção”
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
N. 1936
POR FAVOR
Quando queres alguma coisa
Não te esqueças, meu amor,
De juntar ao teu pedido
As palavras por favor.
Vai fazer toda a diferença
Como azeite do vinagre.
Fica tudo mais alegre
Como se fosse um milagre.
Faz acontecer magia
Não te esqueças Por Favor!
Porque toda a cortesia
É uma forma de amor.
In “ABC das Coisas Mágicas”
Edições ASA
Rosa Lobato de Faria
1932 – 2010
Falecida a 02 de Fevereiro de 2010
PEÇO A PAZ
Peço a paz
e o silêncio
A paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao vento
Peço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pão
Peço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morte
A paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e sol
Peço a paz e o
silêncio
In “Jardins de Guerra”
Portugália Editora
Casimiro de Brito
N.1938
SABES, PAI
sabes, pai
o cachecol béje nos muros da foz
cobria as árvores com o seu pêlo, ao vento
o boné azul, marinheiro nos cabelos louros
sussurrava pequenas frases às silentes águas
o teu sorriso tão leve, enternecia o rosto
esses óculos, teu cabelo nas tardes de sol
ou o barco encalhado na areia breve
junto ao castelo onde nos passeávamos
eu tu a mãe, duas ou três falas e o meu corpo
que se chegava a vós junto à estrada
nestes muros da foz, abertos ao mar
que voava
In “A Palavra no Cimo das Águas”
Colecção Campo da Poesia
Campo das Letras – Lisboa – 2000
Jorge Reis-Sá
N. 1977
AMOR DA PALAVRA, AMOR DO CORPO
A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que não te vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
In "Nos Seus Olhos De Silêncio"
A Palavra e o Lugar
Publicações Dom Quixote
António Ramos Rosa
N. 1924
ELOGIO ÀS LÁGRIMAS
I
Lágrima é Alma que aflora
E á beira do Céu medita,
Mas que em breve se evapora
Para ser Vida infinita!
II
Quanto uma lágrima exprime
– Encanto, Dôr, Alegria –
É o acordar do sublime,
Que dentro d’Alma dormia.
III
Os olhos são lábios d’Alma,
Dôr é sêde que devora,
Sêde de água a água acalma;
E por isso a gente chora.
Fonte de pranto desfeito
– Água divina a correr –
Vem das entranhas do peito
À flôr dos olhos nascer.
Rega a face, corre em fio,
E o seio d’Alma, nascente,
É, depois do ardôr do Estio,
Primavera novamente.
IV
Quanto mais Amor me abrazas,
Mais a Alma vai subindo,
Chega aos olhos, solta as asas…:
São as lágrimas caindo.
V
Quando em meus braços te escondes
E perguntas se te adoro,
Calo-me. – Então não respondes…? –
E eu ólho p’ra ti e… choro.
VI
Almas – raízes sepultas…
Lágrimas – flores despontando…;
Quantas belezas ocultas
Só se conhecem chorando.
VII
Olhos que choram de mágoa,
Olham a Deus bem de fito:
Numa simples gôta d’água
Vem reflectir-se o Infinito.
VIII
Chorar é partir, de mágoa,
O coração aos pedaços,
Transformá-lo em beijos d’água
E a névoa d’água em abraços.
IX
«Já que a Sorte nos aparta
Venho dar-te o coração…»
Chorando inundei a carta…
Vê se éra verdade, ou não…
X
São as lágrimas salgadas…
Pudéra que assim não fosse:
Não que depois de choradas
Sente-se a Vida mais dôce.
XI
Quando choro o chôro rola
Dos meus olhos baga a baga,
Porque é que alguem me consola,
De quem a mão que me afaga…?!
XII
Chorar por mágoas d’Amor
É a divina surpresa
De ter esquecido a Dôr,
A admirar-lhe a grandeza.
XIII
Oh! Alma, oceano profundo,
Cheio de tantos escolhos,
Mas desce-te a Dôr ao fundo,
Traz as pérolas aos olhos.
XIV
Chorar é rezar aos céus,
Fazer acto de Humildade:
Quem chora acredita em Deus,
Confessa Amor e Bondade!
S. João do Campo
In Revista “A Águia”
N.º 2 – 1.ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910
Jaime Cortesão
1884 – 1960
MANTÉM A GRAFIA ORIGINAL
A EVOCAÇÃO DA VIDA
Para LEONARDO COIMBRA
Viver!... E o que é a Vida?...
– Atento, escuto
A primitiva e alta profecía…
E a escuta-la, a sonhar, vou resoluto,
Por caminhos de Amor, com alegria!
E vivo! E na minh’alma, a uma a uma,
Como num quebra mar de encantamentos,
Sinto as ondas bater, – ondas de espuma,
…Evocações, memorias, sentimentos…
Amo! – No meu Amor vivo a infinita,
A suprêma Belêsa, – sou amado!...
E, pelo Sol que no meu peito habita,
Lucto! Sinto o Futuro á nossa espéra,
Vivo, na minha lúta, o meu Amor!...
E sinto bem que a eterna Primavéra
A alcançaremos só por nossa Dôr!
Sôfro! E no meu sofrêr, nesta anciedade
Com que os meus olhos fitam o nascente,
Em devoção, em pranto, em claridade,
– Sonha o meu coração de combatente…
Sofrêr, luctar, amar – , vida completa,
Piedosa, humilde e só de Amor ungida –
– Meu coração de amante e de Poeta
– Sente em si mesmo o coração da Vida!...
Sonho exaltado e puro, Amor tam grande,
Que me domina todo e me levanta
A’s regiões em que o sentir se expande,
E o coração da Vida sonha e canta!
Vida profunda emocionando mundos,
Lagrimas que nos falam de ventura,
Olhos de amado, olhos de amar, profundos
Olhos de devoção e de ternura!...
Olhos que em tudo sentem a Beleza,
A perfeição e o Amor de Éla,
Amor em que se exalta a naturêza,
A fonte, a nevoa, a flor, a rocha, a estrêla!...
Amor que tudo envolve, e em que repoisa
O Mundo num regaço de emoção,
E em que se funde a mais humilde coisa
Ao mais sublime e forte coração!...
Vida que num sorriso se condensa,
Num beijo puro sobre um puro olhar,
Que se sorri, se beija… E rude, imensa,
Em plena luta sabe triunfar!...
Vida piedosa e fraternal, – erguida
Ao sol, a abençoar e a redimir –
E que batalha e vence – pela Vida –
As victorias radiantes do Porvir!...
1910
(Do Poemeto A Evocação da Vida)
In “Revista A Águia”
N.º 2 – 1.ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910
Augusto Casimiro
1889 – 1967
MANTEM A GRAFIA ORIGINAL
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Carlos Ramo...
. Recordando... António Pin...
. Recordando... Sidónio Mur...
. Recordando... Margarida V...
. Recordando... Maria Velho...
. Recordando... Maria Irene...
. Recordando... João Rios *...