Quinta-feira, 29 de Abril de 2010

Recordando... Rosa Alice da Silva Branco... Poetisa Contemporânea

ARTE POÉTICA

Gostaria de começar com uma pergunta

ou então com o simples facto

das rosas que daqui se vêem

entrarem no poema.

 

O que é então o poema?

um tecido de orifícios por onde entra o corpo

sentado à mesa e o modo

como as rosas me espreitam da janela?

 

Lá fora um jardineiro trabalha,

uma criança corre, uma gota de orvalho

acaba de evaporar-se e a humidade do ar

não entra no poema.

 

Amanhã estará murcha aquela rosa:

poderá escolher o epitáfio, a mão que a sepulte

e depois entrar num canteiro do poema,

enquanto um botão abre em verso livre

lá fora onde pulsa o rumor do dia.

 

O que são as rosas dentro e fora

do poema? Onde estou eu no verso em que

a criança se atirou ao chão cansada de correr?

E são horas do almoço do jardineiro!

Como se fosse indiferente a gota de orvalho

ter ou não entrado no poema!

 

In “Soletrar o Dia – Obra Poética”

Quasi Edições – 2002

 

Rosa Alice da Silva Branco

N. 1950

 

 

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Domingo, 25 de Abril de 2010

Recordando... Manuel Alegre... Poeta Contemporâneo

EXPLICAÇÃO DO PAÍS DE ABRIL

País de Abril é o sítio do poema.
Não fica nos terraços da saudade
não fica nas longas terras. Fica exactamente aqui
tão perto que parece longe.

Tem pinheiros e mar tem rios
tem muita gente e muita solidão
dias de festa que são dias tristes às avessas
é rua e sonho é dolorosa intimidade.

Não procurem nos livros que não vem nos livros
País de Abril fica no ventre das manhãs
fica na mágoa de o sabermos tão presente
que nos torna doentes sua ausência.

País de Abril é muito mais que pura geografia
é muito mais que estradas pontes monumentos
viaja-se por dentro e tem caminhos veias
- os carris infinitos dos comboios da vida.

País de Abril é uma saudade de vindima
é terra e sonho e melodia de ser terra e sonho
território de fruta no pomar das veias
onde operários erguem as cidades do poema.

Não procurem na História que não vem na História.
País de Abril fica no sol interior das uvas
fica à distância de um só gesto os ventos dizem
que basta apenas estender a mão.

País de Abril tem gente que não sabe ler
os avisos secretos do poema.
Por isso é que o poema aprende a voz dos ventos
para falar aos homens do País de Abril.

Mais aprende que o mundo é do tamanho
que os homens queiram que o mundo tenha:
o tamanho que os ventos dão aos homens
quando sopram à noite no País de Abril.


In “Praça da Canção”

Publicações Dom Quixote

 

Manuel Alegre

N. 1936



 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Quarta-feira, 21 de Abril de 2010

Recordando... Rosa Lobato de Faria... Poetisa Contemporânea

POR FAVOR

 

Quando queres alguma coisa

Não te esqueças, meu amor,

De juntar ao teu pedido

As palavras por favor.

 

Vai fazer toda a diferença

Como azeite do vinagre.

Fica tudo mais alegre

Como se fosse um milagre.

 

Faz acontecer magia

Não te esqueças Por Favor!

Porque toda a cortesia

É uma forma de amor.

 

 

In “ABC das Coisas Mágicas”

Edições ASA

 

Rosa Lobato de Faria

1932 – 2010

 

Falecida a 02 de Fevereiro de 2010

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Sábado, 17 de Abril de 2010

Recordando... Casimiro de Brito... Poeta Contemporâneo

PEÇO A PAZ

 

Peço a paz
e o silêncio

 

A paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao vento

 

Peço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pão

 

Peço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morte

 

A paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e sol

 

Peço a paz e o
silêncio

 

 

In “Jardins de Guerra”

Portugália Editora

 

Casimiro de Brito

N.1938

 

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (4) | favorito
Terça-feira, 13 de Abril de 2010

Recordando... Jorge Reis-Sá... Poeta Contemporâneo

SABES, PAI

 

sabes, pai

 

o cachecol béje nos muros da foz
cobria as árvores com o seu pêlo, ao vento
o boné azul, marinheiro nos cabelos louros
sussurrava pequenas frases às silentes águas
o teu sorriso tão leve, enternecia o rosto
esses óculos, teu cabelo nas tardes de sol

 

ou o barco encalhado na areia breve
junto ao castelo onde nos passeávamos
eu tu a mãe, duas ou três falas e o meu corpo
que se chegava a vós junto à estrada

nestes muros da foz, abertos ao mar
que voava

 

 

In “A Palavra no Cimo das Águas”

Colecção Campo da Poesia

Campo das Letras – Lisboa – 2000

Jorge Reis-Sá

N. 1977

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (2) | favorito
Sexta-feira, 9 de Abril de 2010

Recordando... António Ramos Rosa... Poeta Contemporâneo

AMOR DA PALAVRA, AMOR DO CORPO

A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que não te vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.

 

 

In "Nos Seus Olhos De Silêncio"

A Palavra e o Lugar

Publicações Dom Quixote

 

António Ramos Rosa

N. 1924

 

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (3) | favorito
Segunda-feira, 5 de Abril de 2010

Recordando... Jaime Cortesão... Poeta do Séc. XX

ELOGIO ÀS LÁGRIMAS

 

I

Lágrima é Alma que aflora

E á beira do Céu medita,

Mas que em breve se evapora

Para ser Vida infinita!

 

II

Quanto uma lágrima exprime

– Encanto, Dôr, Alegria –

É o acordar do sublime,

Que dentro d’Alma dormia.

 

III

Os olhos são lábios d’Alma,

Dôr é sêde que devora,

Sêde de água a água acalma;

E por isso a gente chora.

 

Fonte de pranto desfeito

– Água divina a correr –

Vem das entranhas do peito

À flôr dos olhos nascer.

 

Rega a face, corre em fio,

E o seio d’Alma, nascente,

É, depois do ardôr do Estio,

Primavera novamente.

 

IV

Quanto mais Amor me abrazas,

Mais a Alma vai subindo,

Chega aos olhos, solta as asas…:

São as lágrimas caindo.

 

V

Quando em meus braços te escondes

E perguntas se te adoro,

Calo-me. – Então não respondes…? –

E eu ólho p’ra ti e… choro.

 

VI

Almas – raízes sepultas…

Lágrimas – flores despontando…;

Quantas belezas ocultas

Só se conhecem chorando.

 

VII

Olhos que choram de mágoa,

Olham a Deus bem de fito:

Numa simples gôta d’água

Vem reflectir-se o Infinito.

 

VIII

Chorar é partir, de mágoa,

O coração aos pedaços,

Transformá-lo em beijos d’água

E a névoa d’água em abraços.

 

IX

«Já que a Sorte nos aparta

Venho dar-te o coração…»

Chorando inundei a carta…

Vê se éra verdade, ou não…

 

X

São as lágrimas salgadas…

Pudéra que assim não fosse:

Não que depois de choradas

Sente-se a Vida mais dôce.

 

XI

Quando choro o chôro rola

Dos meus olhos baga a baga,

Porque é que alguem me consola,

De quem a mão que me afaga…?!

 

XII

Chorar por mágoas d’Amor

É a divina surpresa

De ter esquecido a Dôr,

A admirar-lhe a grandeza.

 

XIII

Oh! Alma, oceano profundo,

Cheio de tantos escolhos,

Mas desce-te a Dôr ao fundo,

Traz as pérolas aos olhos.

 

XIV

Chorar é rezar aos céus,

Fazer acto de Humildade:

Quem chora acredita em Deus,

Confessa Amor e Bondade!

 

 

S. João do Campo

 

In Revista “A Águia”

N.º 2 – 1.ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910

 

Jaime Cortesão 

1884 – 1960

 

 

 

MANTÉM A GRAFIA ORIGINAL

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (3) | favorito
Quinta-feira, 1 de Abril de 2010

Recordando... Augusto Casimiro... Poeta do Séc. XX

A EVOCAÇÃO DA VIDA

 

                                   Para LEONARDO COIMBRA

 

Viver!... E o que é a Vida?...

                                  – Atento, escuto

A primitiva e alta profecía…

E a escuta-la, a sonhar, vou resoluto,

Por caminhos de Amor, com alegria!

E vivo! E na minh’alma, a uma a uma,

Como num quebra mar de encantamentos,

Sinto as ondas bater, – ondas de espuma,

…Evocações, memorias, sentimentos…

 

Amo! – No meu Amor vivo a infinita,

A suprêma Belêsa, – sou  amado!...

E, pelo Sol que no meu peito habita,

Lucto! Sinto o Futuro á nossa espéra,

Vivo, na minha lúta, o meu Amor!...

E sinto bem que a eterna Primavéra

A alcançaremos só por nossa Dôr! 

Sôfro! E no meu sofrêr, nesta anciedade

Com que os meus olhos fitam o nascente,

Em devoção, em pranto, em  claridade,

– Sonha o meu coração de combatente…

 

Sofrêr, luctar, amar – , vida completa,

Piedosa, humilde e só de Amor ungida –

– Meu coração de amante e de Poeta

– Sente em si mesmo o coração da Vida!...

Sonho exaltado e puro, Amor tam grande,

Que me domina todo e me levanta

A’s regiões em que o sentir se expande,

E o coração da Vida sonha e canta!

Vida profunda emocionando mundos,

Lagrimas que nos falam de ventura,

Olhos de amado, olhos de amar, profundos

Olhos de devoção e de ternura!...

Olhos que em tudo sentem a Beleza,

A perfeição e o Amor de Éla,

Amor em que se exalta a naturêza,

A fonte, a nevoa, a flor, a rocha, a estrêla!...

 

Amor que tudo envolve, e em que repoisa

O Mundo num regaço de emoção,

E em que se funde a mais humilde coisa

Ao mais sublime e forte coração!...

Vida que num sorriso se condensa,

Num beijo puro sobre um puro olhar,

Que se sorri, se beija… E rude, imensa,

Em plena luta sabe triunfar!...

Vida piedosa e fraternal, – erguida

Ao sol, a abençoar e a redimir –

E que batalha e vence – pela Vida –

As victorias radiantes do Porvir!...

 

 

1910

 

(Do Poemeto A Evocação da Vida)

 

In “Revista A Águia”

N.º 2 – 1.ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910

 

Augusto Casimiro

1889 – 1967

 

 

MANTEM A GRAFIA ORIGINAL

 

 

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (2) | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Gil...

. Recordando... Saúl Dias *...

. Recordando... Ruy Belo

. Recordando... Rui Miguel ...

. Recordando... Rui Pires C...

. Recordando... Sebastião d...

. Recordando... Augusto Mol...

. Recordando... Egito Gonça...

. Recordando... António Ram...

. Recordando... Maria Auror...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds