FALAVAM-ME DE AMOR
Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.
In “O Dilúvio e a Pomba”
Publicações D. Quixote
Natália Correia
1923 – 1993
RETRATO DIGITAL
Sou criança na escola da Razão;
(o mundo à minha espera no recreio...)
Brinquedos de extracto de ilusão,
E mochila com sonhos por recheio.
A boneca de trapos numa mão,
Na outra o lápis (só para sonhar...),
Às vezes uma corda ou um pião
E, sempre, o meu pincel para pintar!
É este o meu retrato de menina
(arquivado em suporte digital)
Agora que a velhice se aproxima...
Do brinquedo e do sonho permanece
O chamamento de Anjo vertical
Porque ao futuro, a esse, Deus mo tece...
Vivências
In “Poeta Porque Deus Quer”
Autores Editora
Maria João Brito de Sousa
N. 1952
O DECIFRADOR DE IMAGENS
O decifrador de imagens
persegue um fantasma de vestígios
como Ulisses amarrado
ao querer do conhecer
A descoberta é invenção provisória:
as vozes não se vêem
o que se vê não se ouve
A imaginação
ergue-se do arrepio da sombra
guerrilha entre parênteses
ergue-se da constante chacina
procurando outra coisa
outra causa
o outro lado do ver
In “O Pavão Negro”
Editora Assírio & Alvim
Ana Hatherly
N. 1929
AS PESSOAS SENSÍVEIS
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas,
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
“Ganharás o pão com o suor do teu rosto”
Assim nos foi imposto
E não:
“Com o suor dos outros ganharás o pão.”
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheiros de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
In “Livro Sexto”
Editorial Caminho
Sophia de Mello Breyner Andresen
1919 – 2004
AS ROSAS
As rosas amo dos jardins de Adónis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o Sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.
In “Odes de Ricardo Reis – Fernando Pessoa – Antologia Poética”
3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses
Editora Ulisses
Ricardo Reis/Fernando Pessoa
1887 – 1935
MILAGRE
O meu futuro fora aquele instante!
(Leve, subtil, a flor buliu na haste...)
O meu futuro fora aquele instante.
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!
Com musgo, o pinheiral esteve à espera...
E a flor (tão perto e azul) buliu na haste!
O Inverno do arrabalde? - Primavera!
Com musgo, o pinheiral esteve à espera...
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!
Então, o olhar da noite fez-se baço;
E a flor, fria talvez, buliu na haste...
- Desertos, lagos, pântanos, cansaço...
O olhar da noite vítrea fez-se baço!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!
Prazer? Vício? Prisão? Nódoa? Vergonha?
Estrume sob a flor da minha haste...
Prazer? Vício? Prisão? Nódoa? Verginha?
Poesia indomável e medonha!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!
Sangrou demais o meu pecado. Basta!
Buliu demais a flor, dobrando a haste...
Sangrou demais o meu pecado. Basta!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!
O vento varreu toda a noite, ardida
E, com o vento, a flor buliu na haste...
Veio chuva depois. Destino, vida...
E o vento varreu toda a noite ardida!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!
Os homens não me viram e passaram.
E a flor, distante já, buliu na haste...
Os homens não me viram e passaram...
Ó mãos cegas que, um dia, me salvaram!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!
In “Bodas Vermelhas”
Porto Editora – 3.ª edição – 1979
Pedro Homem de Mello
1904 – 1984
A NEVE
Feérica nupcial! A neve, a neve,
alegríssimamente vai caindo.
A nossa dor é um elfo que nos segue:
tudo cristalizou num riso lindo.
Lembra um conto de fadas a paisagem:
jardins e parques, casas, estão dormindo;
e no seu sonho, pueril miragem,
a neve vai caindo, vai caindo.
Mas que jardins se esfolham pela altura? …
É a espuma dum mar pr’álem das nuvens
ou um Outono místico de alvura? …
É um Abril de pureza: – é lindo, lindo,
sinto-me estonteado de brancura:
os mortos mesmo devem estar sorrindo.
In “Poesias Completas”
Assírio & Alvim – 1989
António Patrício
1878 – 1930
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