Domingo, 28 de Fevereiro de 2010

Recordando... Albano Martins... Poeta Contemporâneo

COMO AS ESPIGAS

 

Finalmente (embora
saibas que não há
nem fim nem princípio):
deves dizer ainda
que há uma rosa de espuma
no teu peito e que
o seu perfume
não se esgota. E que lá
também existe
uma fonte onde bebem
as flores silvestres. Mas não
humildes, como ias
chamar-lhes: altas
como as espigas
do vento, que no vento
se esquecem e que no vento
amadurecem.

In “Escrito a Vermelho”

Campo das Letras

 

Albano Martins

N. 1930

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Quarta-feira, 24 de Fevereiro de 2010

Recordando... José Alberto Oliveira... Poeta Contemporâneo

POLÍTICA

É um poeta sério,
que escreve versos sérios,
foi o que me disseram,

árduos, saudáveis,
que se podem repetir
antes de almoço

e depois da eucaristia,
em que a realidade,
essa puta velha,

não é menos resistente
que ele e outros,
que dão o corpo ao manifesto
e confirmam, sem caução,

que a solidão é paciente
e o desejo anónimo
– as manhas do canastro

cabem todas em qualquer
cama ou no verso
e meio que ainda falta.


In “Mais Tarde”

Assírio & Alvim – Lisboa – 2003

 

José Alberto Oliveira

N. 1952

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sábado, 20 de Fevereiro de 2010

Recordando... Fernando Luís Sampaio... Poeta Contemporâneo

NA MARGEM DO CORAÇÃO

Não voltes a perguntar se é isto
o destino porque não sei o que essa palavra
encobre, ou finta, ou derruba, sei
pouco do mundo para dizer isto ou aquilo.

Esta rua conduz a uma outra
que é cruzada por outra ainda. E
os ventos ali se cruzam, as vidas
também, há sempre engarrafamentos.

Mais abaixo fica o rio, apanhavas muitas
vezes o barco já de madrugada,
na manhã seguinte o percurso inverso.

Por mais que não desejes o infinito
prende-se a estes restos,
vegetação rasteira, inquietações,
e na margem do coração

perguntas de novo por que,
em tudo isso,
ninguém te repete o corpo.


In “Falsa Partida”

Assírio & Alvim – Lisboa – 2005 

 

Fernando Luís Sampaio

N. 1960

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (2) | favorito
Terça-feira, 16 de Fevereiro de 2010

Recordando... Orlando Neves... Poeta Contemporâneo

VEM E DIZ

 

Vem e diz. Que enorme casa resplandece

de bronze, que vento destrói as belas

lavouras, quem entende a fala das perdizes,

ungidas da luz matinal.

 

Vem e diz. Por um tempo de nada, a juventude

banha a nudez do rosto e nos deleita

dos amáveis dons da idade. Em minha casa amada,

sou uma tâmara redonda e madura.

 

Vem e diz. Quem nos ensina o caminho

da cidade, que pão amassado é arma excelente,

pendular e lenta, da agonia, que distância

nos isola dos homens de fala dotados.

 

Vem e diz. Não invejo os deuses nem as suas

acções, não mudo o pranto em louvor, nem

das brisas oceânicas provém o passo

da fortuna, areia fugida à contagem.

 

Vem e diz. Que sombra de sonho é o

homem, o que de muitos veio para ser único,

o que, ornado de ouro e alado, em dez

medidas de água sucumbe, em bolor se devora.

 

Vem e diz. Bebamos

 

 

In “Lamentação em Cáucaso”

Património XXI – 1991

 

Orlando Neves

1935 – 2005

 

sinto-me: Radiante Sempre
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 2010

Recordando... António Correia de Oliveira... Poeta do Séc. XX

CYPRESTES

 

Extaticos Cyprestes, meditando

Na Terra da Verdade, em melancolicos

Jardins da Morte em flor, canteiro de almas:

 

Cyprestes dos humildes cemiterios,

Que fundos, remotissimos segredos

Da Vida saberão vossas raizes?

 

O que dirão, á aragem, vossos ramos

Longamente acenando e murmurando?

 

Cyprestes dos humildes cemitérios,

Que segredos sabeis da Morte obscura?

 

A Morte é vossa vida, – pois na Morte

Entrelaçaes, no chão, as fundas, ávidas

Raizes; e, no espaço, ergueis a rama,

Tão verde que a não queima o proprio inverno;

E onde rebrilha a luz do sol; e as aves

Tecem os ninhos que são como flores

A abrir nas vivas pétalas das azas,

Nos cantos que se exalam como aromas…

 

Cyprestes dos humildes cemiterios,

Que segredos sabeis da Morte obscura?

 

Á clara luz do sol, ou, mais ainda,

Á dubia luz da Lua misteriosa

Desenhaes, pelo chão, as vossa sombras,

Como signaes de magico alphabeto,

– Onde, talvez, os olhos dos Espiritos

Soletrem as palavras cabalísticas

Reveladoras de intimos anceios…

 

Cyprestes dos humildes cemiterios,

Que segredos sabeis da Morte obscura?

 

No vosso sangue vegetal – as seivas –

Transfunde-se e transforma-se a energia

Do sangue do Homem, mesmo da sua alma:

Pois que, no chão em que viveis, lá fundo,

A Morte lhe trabalha o inerte corpo,

– Tornando-o á Terra, como torna aos mares

A nevoa que se ergueu ao céu e aos ventos:

E novamente ha de voltar ás ondas

Nas lagrimas das chuvas e do orvalho…

 

Cyprestes dos humildes cemiterios,

Que segredos sabeis da Morte obscura?

 

Ouvis. E, em vagos gestos, em longinqua

Mas vivida expressão de pensamento,

Vós conversaes comigo, á luz da Lua…

 

E as vossas longas falas silenciosas,

Que saudades me deixam! Que lembrança

De claras horas de bellêsa, mortas

Dentro em minha alma, Cemiterio de almas!

Que instinctivo, nostalgico desejo

De regressar á terra, á morte: – á Vida…

 

Ai quem me dera a mim! ai quem me dera

Adormecer no cemiterio rustico 

Da minh aldeia, entre montanhas, de onde

Tristesas e destinos me desterram:

 

E, desfeito o meu corpo nesse palmo

De terra onde já tenho amados Mortos,

– Velho Cypreste, que lá vive ha tanto,

Talvez, com suas ávidas raizes,

Sorvesse alguma coisa do meu corpo,

Com elle, alguma coisa da minha alma:

 

E talvez, no seu tronco e sua rama,

(Como num verde e alegre Paraiso,

Num Céu de esquecimento e de renúncia)

De novo eu me encontrasse em companhia

De esses que tanto amei, e já morreram…

 

E alli vivesse, emfim, na pura e candida,

Alegre santidade primitiva:

– Não Homem, não! mas Arvore da terra,

Em canticos de luz e de verdura,

Cheio de paz e simples naturêsa.

 

 

Lisboa.

 

 

In Revista “A Águia”

Nº. 2 – 1ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910

 

António Corrêa de Oliveira

1878 – 1960

 

 

 

(Mantém a grafia original)

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 8 de Fevereiro de 2010

Recordando... Porfírio Maio Agostinho... Poeta Contemporâneo

BALADA DO INDIGENTE

 

Eu vi um homem na rua

O triste metia dó

Fazia gestos ao vento

Consigo falava só

O homem que vi na rua

A todos metia dó.

 

Anda no mundo perdido

Não acha as coordenadas

Dizem que é doido varrido

Quando atira pedradas

O homem que anda perdido

Não acha as coordenadas.

 

Na boca tem três cigarros

Que nunca foram fumados

Tem três cigarros na boca

Que estão sempre apagados

Faz uns trejeitos esquisitos

Com os olhos esgazeados.

 

Ele é um homem diferente

Na vida é um desgraçado

É vagabundo, indigente

Por todos abandonado

Eu também abandonei

Aquele pobre, coitado.

 

 

(Poetas de Sempre III)

 

In “Jornal Poetas & Trovadores”

Nº 23 Ano XXIII 3ª Série

Julho/Setembro 2002

 

Porfírio Maio Agostinho

1947-2003

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Quinta-feira, 4 de Fevereiro de 2010

Recordando... A. M. Pires Cabral... Poeta Contemporâneo

CASA EM RUÍNAS

O xisto das paredes acolheu
os poucos desejos. O telhado
cortou os grandes frios da geada,
desviou a chuva das enxergas.
Pelos postigos entrou alguma luz.
Rezou-se e morreu-se nessa casa.

Hoje as paredes vão-se aos poucos derruindo:
aproximam-se do chão de que nasceram.
Como se se executasse nela
um antigo memento: quia petra es
et in petram reverteris.

Há muito que o vento derrubou
a derradeira telha. Caíram de podres
as vigas do telhado, e há já alguns invernos
que deram achas para arder no lume.
Quase não há vestígios de postigos –
salvo uma floreira que parece ali
um capricho escarninho.

Cumpriu-se na casa um ciclo.
Hoje não tem serventia,
salvo para alguns animais furtivos
que a ocupam e lhe pedem afinal
as mesmas funções simples
que aquele que a edificou pediu outrora.

Na sua decadência persistente,
a casa mete pena, como todos
os sonhos que algum dia floresceram
e depois se foram esfarelando.

Está visto: as casas não têm
a mesma estouvada vocação
de eternidade
que atormenta os seus donos.


In “Arado”

Cotovia – Lisboa

 

A.M. Pires Cabral

N. 1941

 

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Gil...

. Recordando... Saúl Dias *...

. Recordando... Ruy Belo

. Recordando... Rui Miguel ...

. Recordando... Rui Pires C...

. Recordando... Sebastião d...

. Recordando... Augusto Mol...

. Recordando... Egito Gonça...

. Recordando... António Ram...

. Recordando... Maria Auror...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds