COMO AS ESPIGAS
Finalmente (embora
saibas que não há
nem fim nem princípio):
deves dizer ainda
que há uma rosa de espuma
no teu peito e que
o seu perfume
não se esgota. E que lá
também existe
uma fonte onde bebem
as flores silvestres. Mas não
humildes, como ias
chamar-lhes: altas
como as espigas
do vento, que no vento
se esquecem e que no vento
amadurecem.
In “Escrito a Vermelho”
Campo das Letras
Albano Martins
N. 1930
POLÍTICA
É um poeta sério,
que escreve versos sérios,
foi o que me disseram,
árduos, saudáveis,
que se podem repetir
antes de almoço
e depois da eucaristia,
em que a realidade,
essa puta velha,
não é menos resistente
que ele e outros,
que dão o corpo ao manifesto
e confirmam, sem caução,
que a solidão é paciente
e o desejo anónimo
– as manhas do canastro
cabem todas em qualquer
cama ou no verso
e meio que ainda falta.
In “Mais Tarde”
Assírio & Alvim – Lisboa – 2003
José Alberto Oliveira
N. 1952
NA MARGEM DO CORAÇÃO
Não voltes a perguntar se é isto
o destino porque não sei o que essa palavra
encobre, ou finta, ou derruba, sei
pouco do mundo para dizer isto ou aquilo.
Esta rua conduz a uma outra
que é cruzada por outra ainda. E
os ventos ali se cruzam, as vidas
também, há sempre engarrafamentos.
Mais abaixo fica o rio, apanhavas muitas
vezes o barco já de madrugada,
na manhã seguinte o percurso inverso.
Por mais que não desejes o infinito
prende-se a estes restos,
vegetação rasteira, inquietações,
e na margem do coração
perguntas de novo por que,
em tudo isso,
ninguém te repete o corpo.
In “Falsa Partida”
Assírio & Alvim – Lisboa – 2005
Fernando Luís Sampaio
N. 1960
VEM E DIZ
Vem e diz. Que enorme casa resplandece
de bronze, que vento destrói as belas
lavouras, quem entende a fala das perdizes,
ungidas da luz matinal.
Vem e diz. Por um tempo de nada, a juventude
banha a nudez do rosto e nos deleita
dos amáveis dons da idade. Em minha casa amada,
sou uma tâmara redonda e madura.
Vem e diz. Quem nos ensina o caminho
da cidade, que pão amassado é arma excelente,
pendular e lenta, da agonia, que distância
nos isola dos homens de fala dotados.
Vem e diz. Não invejo os deuses nem as suas
acções, não mudo o pranto em louvor, nem
das brisas oceânicas provém o passo
da fortuna, areia fugida à contagem.
Vem e diz. Que sombra de sonho é o
homem, o que de muitos veio para ser único,
o que, ornado de ouro e alado, em dez
medidas de água sucumbe, em bolor se devora.
Vem e diz. Bebamos
In “Lamentação em Cáucaso”
Património XXI – 1991
Orlando Neves
1935 – 2005
CYPRESTES
Extaticos Cyprestes, meditando
Na Terra da Verdade, em melancolicos
Jardins da Morte em flor, canteiro de almas:
Cyprestes dos humildes cemiterios,
Que fundos, remotissimos segredos
Da Vida saberão vossas raizes?
O que dirão, á aragem, vossos ramos
Longamente acenando e murmurando?
Cyprestes dos humildes cemitérios,
Que segredos sabeis da Morte obscura?
A Morte é vossa vida, – pois na Morte
Entrelaçaes, no chão, as fundas, ávidas
Raizes; e, no espaço, ergueis a rama,
Tão verde que a não queima o proprio inverno;
E onde rebrilha a luz do sol; e as aves
Tecem os ninhos que são como flores
A abrir nas vivas pétalas das azas,
Nos cantos que se exalam como aromas…
Cyprestes dos humildes cemiterios,
Que segredos sabeis da Morte obscura?
Á clara luz do sol, ou, mais ainda,
Á dubia luz da Lua misteriosa
Desenhaes, pelo chão, as vossa sombras,
Como signaes de magico alphabeto,
– Onde, talvez, os olhos dos Espiritos
Soletrem as palavras cabalísticas
Reveladoras de intimos anceios…
Cyprestes dos humildes cemiterios,
Que segredos sabeis da Morte obscura?
No vosso sangue vegetal – as seivas –
Transfunde-se e transforma-se a energia
Do sangue do Homem, mesmo da sua alma:
Pois que, no chão em que viveis, lá fundo,
A Morte lhe trabalha o inerte corpo,
– Tornando-o á Terra, como torna aos mares
A nevoa que se ergueu ao céu e aos ventos:
E novamente ha de voltar ás ondas
Nas lagrimas das chuvas e do orvalho…
Cyprestes dos humildes cemiterios,
Que segredos sabeis da Morte obscura?
Ouvis. E, em vagos gestos, em longinqua
Mas vivida expressão de pensamento,
Vós conversaes comigo, á luz da Lua…
E as vossas longas falas silenciosas,
Que saudades me deixam! Que lembrança
De claras horas de bellêsa, mortas
Dentro em minha alma, Cemiterio de almas!
Que instinctivo, nostalgico desejo
De regressar á terra, á morte: – á Vida…
Ai quem me dera a mim! ai quem me dera
Adormecer no cemiterio rustico
Da minh aldeia, entre montanhas, de onde
Tristesas e destinos me desterram:
E, desfeito o meu corpo nesse palmo
De terra onde já tenho amados Mortos,
– Velho Cypreste, que lá vive ha tanto,
Talvez, com suas ávidas raizes,
Sorvesse alguma coisa do meu corpo,
Com elle, alguma coisa da minha alma:
E talvez, no seu tronco e sua rama,
(Como num verde e alegre Paraiso,
Num Céu de esquecimento e de renúncia)
De novo eu me encontrasse em companhia
De esses que tanto amei, e já morreram…
E alli vivesse, emfim, na pura e candida,
Alegre santidade primitiva:
– Não Homem, não! mas Arvore da terra,
Em canticos de luz e de verdura,
Cheio de paz e simples naturêsa.
Lisboa.
In Revista “A Águia”
Nº. 2 – 1ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910
António Corrêa de Oliveira
1878 – 1960
(Mantém a grafia original)
BALADA DO INDIGENTE
Eu vi um homem na rua
O triste metia dó
Fazia gestos ao vento
Consigo falava só
O homem que vi na rua
A todos metia dó.
Anda no mundo perdido
Não acha as coordenadas
Dizem que é doido varrido
Quando atira pedradas
O homem que anda perdido
Não acha as coordenadas.
Na boca tem três cigarros
Que nunca foram fumados
Tem três cigarros na boca
Que estão sempre apagados
Faz uns trejeitos esquisitos
Com os olhos esgazeados.
Ele é um homem diferente
Na vida é um desgraçado
É vagabundo, indigente
Por todos abandonado
Eu também abandonei
Aquele pobre, coitado.
(Poetas de Sempre III)
In “Jornal Poetas & Trovadores”
Nº 23 Ano XXIII 3ª Série
Julho/Setembro 2002
Porfírio Maio Agostinho
1947-2003
CASA EM RUÍNAS
O xisto das paredes acolheu
os poucos desejos. O telhado
cortou os grandes frios da geada,
desviou a chuva das enxergas.
Pelos postigos entrou alguma luz.
Rezou-se e morreu-se nessa casa.
Hoje as paredes vão-se aos poucos derruindo:
aproximam-se do chão de que nasceram.
Como se se executasse nela
um antigo memento: quia petra es
et in petram reverteris.
Há muito que o vento derrubou
a derradeira telha. Caíram de podres
as vigas do telhado, e há já alguns invernos
que deram achas para arder no lume.
Quase não há vestígios de postigos –
salvo uma floreira que parece ali
um capricho escarninho.
Cumpriu-se na casa um ciclo.
Hoje não tem serventia,
salvo para alguns animais furtivos
que a ocupam e lhe pedem afinal
as mesmas funções simples
que aquele que a edificou pediu outrora.
Na sua decadência persistente,
a casa mete pena, como todos
os sonhos que algum dia floresceram
e depois se foram esfarelando.
Está visto: as casas não têm
a mesma estouvada vocação
de eternidade
que atormenta os seus donos.
In “Arado”
Cotovia – Lisboa
A.M. Pires Cabral
N. 1941
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