Quinta-feira, 28 de Janeiro de 2010

Recordando... António Rebordão Navarro... Poeta Contemporâneo

AS CASAS (SINAIS GRÁFICOS)

 

Dispostas, cruciformes, sobre o linho,

desbotadas nos peitos e nas costas,

nos pratos,

vírgulas a esmo na paisagem,

urbanas reticências.

Feitas fotografia e problema,

circunspectas, circunflexas, as casas

com persianas, portadas e cortinas,

paroxítonas, reflexas.

Entre flores e aspas,

beliscaduras,

vícios e virtudes

e parêntesis..

Ponto final. Parágrafo.

Seus perfumes,

dois pontos:

a rio e mar, por certo os teus

cabelos,

as tuas mãos também

por onde passam, pousam estas letras.

 

 

In “27 Poemas”

Editora Justiça e Paz

 

António Rebordão Navarro

N. 1933

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (2) | favorito
Domingo, 24 de Janeiro de 2010

Recordando... António Forte Salvado... Poeta Contemporâneo

O SANTO DE PEDRA

 

Que aragem nos sopra quando vens

no recreio da voz adormecida

e estendes tuas asas de conforto

sobre as falésias sobre os precipícios.

 

O som do grito interior à concha

quando a pedra talhou o seu perfil,

ó ermo visitante dos encontros

entre a montanha azul e o infinito.

 

Extrema consolação ao fogo aceso

da sarça devorante devagar,

que aragem nos separa, leve, o peso

de receber nos meus o teu olhar.

 

 

In “Interior à Luz”

Editora A Mar Arte

 

António Forte Salvado
N. 1936

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Quarta-feira, 20 de Janeiro de 2010

Recordando... Manuel Alegre... Poeta Contemporâneo

A RAPARIGA DO PAÍS DE ABRIL

Habito o sol dentro de ti
descubro a terra aprendo o mar
rio acima rio abaixo vou remando
por esse Tejo aberto no teu corpo.

E sou metade camponês metade marinheiro
apascento meus sonhos iço as velas
sobre o teu corpo que de certo modo
é um país marítimo com árvores no meio.

Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. Melodia.
A mesma melodia destas noites
enlouquecidas pela brisa no País de Abril.

E eu procurava-te nas pontes da tristeza
cantava adivinhando-te cantava
quando o País de Abril se vestia de ti
e eu perguntava atónito quem eras.

Por ti cheguei ao longe aqui tão perto
e vi um chão puro: algarves de ternura.
Quando vieste tudo ficou certo
e achei achando-te o País de Abril.


In “30 Anos de Poesia”
Publicações Dom Quixote

Manuel Alegre
N. 1936

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (2) | favorito
Sábado, 16 de Janeiro de 2010

Recordando... Gomes Leal... Poeta do Séc. XIX

OS PASTORES

 

Guardavam certos pastores
seus rebanhos, ao relento,
sobre os céus consoladores
pondo a vista e o pensamento.

 

Quando viram que descia,
cheio de glória fulgente,
um anjo do céu do Oriente,
que era mais claro que o dia.

 

Jamais os cegara assim
luz do meio-dia ou manhã.
Dir-se-ia o audaz Serafim,
que um dia venceu Satã.

 

Cheios de assombro e terror,
rolaram na erva rasteira.
– Mas ele, com voz fagueira,
lhes diz, com suave amor:

 

«Erguei-vos, simples, daí,
humildes peitos da aldeia!
Nasceu o vosso Rabi,
que é Cristo – na Galileia!

 

Num berço, o filho real,
não o vereis reclinado.
Vê-lo-eis pobre e enfaixado,
sobre as palhas de um curral!

 

Segui dos astros a esteira.
Levai pombas, ramos, palmas,
ao que traz uma joeira
das estrelas e das almas!»

 

Foi-se o anjo: e nas neblinas,
então celestes legiões
soltam místicas canções,
sobre violas divinas.

 

Erguem-se, enfim, os pastores
e vão caminhos dalém,
com palmas, rolas, e flores,
cordeiros, até Belém.

 

E exclamavam indo a andar:
– «Vamos ver o vinhateiro!
Ver o que sabe lavrar
nas nuvens, ver o Ceifeiro!

 

Vamos beijar os pés nus
do que semeia nos céus.
Ver esse pastor que é Deus
– e traz cajado de luz!»

 

Chegando ao presépio, enfim,
caem, de rojo, os pastores,
vendo o herdeiro d’Eloim
que veste os lírios e as flores.

 

Dão-lhe pombas gloriosas,
meigos, tenros animais.
– Mas, vendo coisas radiosas,
casos vindouros, fatais…

 

Abria o deus das crianças
uns olhos profundos, graves,
no meio das pombas mansas
– nas palpitações das aves.

 

 

 

In “História de Jesus”

(Para as Criancinhas Lerem)
Edição: José Carlos Seabra Pereira

Assírio & Alvim

 

Gomes Leal

1848 – 1921

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Terça-feira, 12 de Janeiro de 2010

Recordando... Eduardo Guerra Carneiro... Poeta do Séc. XX

BALADA DA CIDADE TRISTE

 

I

 

Saliente manhã

nas torres da praça

cinzenta de tédio

ou sono trocado

por verde e castanho

o tom deste dia

já gasto ainda antes

do uso o tomar

 

Calados os lábios

que novas nos trazes

passageiro trémulo

de mala tão velha

com longas perguntas

do país sonhado?

 

Sabemos o gosto

da verde romã

Trincámos o fruto

sem saber a forma

Igual é possível

ao rosto do dia

que cresce em metade

de frio

ou de fome

 

A longa viagem

espera o seu tempo

Em sangue marcada

a custo estancado

Retomo Outubro

em espera adiada

na véspera de nunca

partir ou ficar

 

Inverno! Ó Inverno!

Meu país cifrado!

As pedras

e a erva

crescendo nas ruas

da cidade morta

ontem metralhada

e ontem enterrada

nascendo às sete horas

na praça cinzenta

nos bancos de palha

de eléctricos sujos

da cor do limão

 

Na cidade triste

já morrem palavras!

 

II

 

Na triste cidade

de tristes cafés

de chuva a cair

nos olhos doridos

de tanto sofrer

são mesmo os sorrisos

trocados a medo

a sombra tão vaga

de pura alegria

que eu sei

e tu sabes

ser falsa esta música

no meio da praça

 

Na triste cidade

cidade em escarpas

desenho de vento

no arco das pontes

luzeiro de ruas

uma vez por ano

talvez por engano

talvez seja vinho

eu sei

e tu sabes

madrugada vem

cansados os gestos

da noite alegria

regressa o cinzento

a névoa

e a bruma

Dom Sebastião

num barco rabelo

virá

com tristeza

saber que morreu

 

 

In “Ao Porto” – Colectânea  

Org. Adosinda Providência Torgal

e Madalena Torgal Ferreira

1ª edição – Novembro 2001

Publicações Dom Quixote

 

Eduardo Guerra Carneiro

1942 – 2004  

 

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sexta-feira, 8 de Janeiro de 2010

Recordando... Miguel Torga... Poeta do Séc. XX

HISTÓRIA ANTIGA

 

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.

Feio bicho, de resto:

Uma cara de burro sem cabresto

E duas grandes tranças.

A gente olhava, reparava, e via

Que naquela figura não havia

Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.

Porque um dia,

O malvado,

Só por ter o poder de quem é rei

Por não ter coração,

Sem mais nem menos,

Mandou matar quantos eram pequenos

Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,

Por acaso ou milagre, aconteceu

Que, num burrinho pela areia fora,

Fugiu

Daquelas mãos de sangue um pequenito

Que o vivo sol da vida acarinhou;

E bastou

Esse palmo de sonho

Para encher este mundo de alegria;

Para crescer, ser Deus;

E meter no Inferno o tal das tranças,

Só porque ele não gostava de crianças.

 

 

Coimbra, 12 de Outubro de 1937

 

In “ Revista UNEARTA”

Ano 3 – N.º 32 – Agosto 2004

 

Miguel Torga

1907 – 1995

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Segunda-feira, 4 de Janeiro de 2010

Recordando... Antero Quental... Poeta do Séc. XIX

 MÃE…

 

 Mãe – que adormente este viver dorido,
 E me vele esta noite de tal frio,
 E com as mãos piedosas até o fio
 Do meu pobre existir, meio partido…

 Que me leve consigo, adormecido,
 Ao passar pelo sítio mais sombrio…
 Me banhe e lave a alma lá no rio
 Da clara luz do seu olhar querido…

 Eu dava o meu orgulho de homem – dava
 Minha estéril ciência, sem receio,
 E em débil criancinha me tornava,

 Descuidada, feliz, dócil também,
 Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
 Se tu fosses, querida, a minha mãe!

 

 

In “Sonetos Completos”

Publicações Anagrama – Maio.1980

 

Antero Quental

1842 – 1891

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (2) | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Gil...

. Recordando... Saúl Dias *...

. Recordando... Ruy Belo

. Recordando... Rui Miguel ...

. Recordando... Rui Pires C...

. Recordando... Sebastião d...

. Recordando... Augusto Mol...

. Recordando... Egito Gonça...

. Recordando... António Ram...

. Recordando... Maria Auror...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds