AS CASAS (SINAIS GRÁFICOS)
Dispostas, cruciformes, sobre o linho,
desbotadas nos peitos e nas costas,
nos pratos,
vírgulas a esmo na paisagem,
urbanas reticências.
Feitas fotografia e problema,
circunspectas, circunflexas, as casas
com persianas, portadas e cortinas,
paroxítonas, reflexas.
Entre flores e aspas,
beliscaduras,
vícios e virtudes
e parêntesis..
Ponto final. Parágrafo.
Seus perfumes,
dois pontos:
a rio e mar, por certo os teus
cabelos,
as tuas mãos também
por onde passam, pousam estas letras.
In “27 Poemas”
Editora Justiça e Paz
António Rebordão Navarro
N. 1933
O SANTO DE PEDRA
Que aragem nos sopra quando vens
no recreio da voz adormecida
e estendes tuas asas de conforto
sobre as falésias sobre os precipícios.
O som do grito interior à concha
quando a pedra talhou o seu perfil,
ó ermo visitante dos encontros
entre a montanha azul e o infinito.
Extrema consolação ao fogo aceso
da sarça devorante devagar,
que aragem nos separa, leve, o peso
de receber nos meus o teu olhar.
In “Interior à Luz”
Editora A Mar Arte
António Forte Salvado
N. 1936
A RAPARIGA DO PAÍS DE ABRIL
Habito o sol dentro de ti
descubro a terra aprendo o mar
rio acima rio abaixo vou remando
por esse Tejo aberto no teu corpo.
E sou metade camponês metade marinheiro
apascento meus sonhos iço as velas
sobre o teu corpo que de certo modo
é um país marítimo com árvores no meio.
Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. Melodia.
A mesma melodia destas noites
enlouquecidas pela brisa no País de Abril.
E eu procurava-te nas pontes da tristeza
cantava adivinhando-te cantava
quando o País de Abril se vestia de ti
e eu perguntava atónito quem eras.
Por ti cheguei ao longe aqui tão perto
e vi um chão puro: algarves de ternura.
Quando vieste tudo ficou certo
e achei achando-te o País de Abril.
In “30 Anos de Poesia”
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
N. 1936
OS PASTORES
Guardavam certos pastores
seus rebanhos, ao relento,
sobre os céus consoladores
pondo a vista e o pensamento.
Quando viram que descia,
cheio de glória fulgente,
um anjo do céu do Oriente,
que era mais claro que o dia.
Jamais os cegara assim
luz do meio-dia ou manhã.
Dir-se-ia o audaz Serafim,
que um dia venceu Satã.
Cheios de assombro e terror,
rolaram na erva rasteira.
– Mas ele, com voz fagueira,
lhes diz, com suave amor:
«Erguei-vos, simples, daí,
humildes peitos da aldeia!
Nasceu o vosso Rabi,
que é Cristo – na Galileia!
Num berço, o filho real,
não o vereis reclinado.
Vê-lo-eis pobre e enfaixado,
sobre as palhas de um curral!
Segui dos astros a esteira.
Levai pombas, ramos, palmas,
ao que traz uma joeira
das estrelas e das almas!»
Foi-se o anjo: e nas neblinas,
então celestes legiões
soltam místicas canções,
sobre violas divinas.
Erguem-se, enfim, os pastores
e vão caminhos dalém,
com palmas, rolas, e flores,
cordeiros, até Belém.
E exclamavam indo a andar:
– «Vamos ver o vinhateiro!
Ver o que sabe lavrar
nas nuvens, ver o Ceifeiro!
Vamos beijar os pés nus
do que semeia nos céus.
Ver esse pastor que é Deus
– e traz cajado de luz!»
Chegando ao presépio, enfim,
caem, de rojo, os pastores,
vendo o herdeiro d’Eloim
que veste os lírios e as flores.
Dão-lhe pombas gloriosas,
meigos, tenros animais.
– Mas, vendo coisas radiosas,
casos vindouros, fatais…
Abria o deus das crianças
uns olhos profundos, graves,
no meio das pombas mansas
– nas palpitações das aves.
In “História de Jesus”
(Para as Criancinhas Lerem)
Edição: José Carlos Seabra Pereira
Assírio & Alvim
Gomes Leal
1848 – 1921
BALADA DA CIDADE TRISTE
I
Saliente manhã
nas torres da praça
cinzenta de tédio
ou sono trocado
por verde e castanho
o tom deste dia
já gasto ainda antes
do uso o tomar
Calados os lábios
que novas nos trazes
passageiro trémulo
de mala tão velha
com longas perguntas
do país sonhado?
Sabemos o gosto
da verde romã
Trincámos o fruto
sem saber a forma
Igual é possível
ao rosto do dia
que cresce em metade
de frio
ou de fome
A longa viagem
espera o seu tempo
Em sangue marcada
a custo estancado
Retomo Outubro
em espera adiada
na véspera de nunca
partir ou ficar
Inverno! Ó Inverno!
Meu país cifrado!
As pedras
e a erva
crescendo nas ruas
da cidade morta
ontem metralhada
e ontem enterrada
nascendo às sete horas
na praça cinzenta
nos bancos de palha
de eléctricos sujos
da cor do limão
Na cidade triste
já morrem palavras!
II
Na triste cidade
de tristes cafés
de chuva a cair
nos olhos doridos
de tanto sofrer
são mesmo os sorrisos
trocados a medo
a sombra tão vaga
de pura alegria
que eu sei
e tu sabes
ser falsa esta música
no meio da praça
Na triste cidade
cidade em escarpas
desenho de vento
no arco das pontes
luzeiro de ruas
uma vez por ano
talvez por engano
talvez seja vinho
eu sei
e tu sabes
madrugada vem
cansados os gestos
da noite alegria
regressa o cinzento
a névoa
e a bruma
Dom Sebastião
num barco rabelo
virá
com tristeza
saber que morreu
In “Ao Porto” – Colectânea
Org. Adosinda Providência Torgal
e Madalena Torgal Ferreira
1ª edição – Novembro 2001
Publicações Dom Quixote
Eduardo Guerra Carneiro
1942 – 2004
HISTÓRIA ANTIGA
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no Inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Coimbra, 12 de Outubro de 1937
In “ Revista UNEARTA”
Ano 3 – N.º 32 – Agosto 2004
Miguel Torga
1907 – 1995
MÃE…
Mãe – que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas até o fio
Do meu pobre existir, meio partido…
Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio…
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido…
Eu dava o meu orgulho de homem – dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava,
Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!
In “Sonetos Completos”
Publicações Anagrama – Maio.1980
Antero Quental
1842 – 1891
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