Segunda-feira, 28 de Dezembro de 2009

Recordando... Ana Marques Gastão... Poetisa Contemporânea

SOBREVIVO

 

Sobrevivo

assim

casa vazia

em vasto mundo.

 

E tu mais dócil

em teu fiel

e paciente inferno

de enormes estrelas.

 

Sono de morte

sou voo raso

adágio breve

salmo e nostalgia.

 

Aqui nascemos

e voltamos

mortos

na memória

doce espiral,

de um tão

escasso fulgor.

 

 

In “Nocturnos”

Gótica Editora

 

Ana Marques Gastão

N. 1962

 

 

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Quinta-feira, 24 de Dezembro de 2009

Recordando... Castro Reis... Poeta do Séc. XX

APELO DE NATAL

 

Irmãos, filhos de Deus, povos do Mundo,

Eu vos lanço este apelo universal:

Vamos erguer a voz, gritar bem fundo,

Dizer a todo o mundo, que é Natal!

 

Que é tempo de Concórdia, Paz e Amor,

De acabar com as guerras e vinganças!...

Pôr termo ao mal da droga, à fome e à dor,

À chacina de jovens e crianças!

 

Não podemos deixar que isto aconteça,

É urgente acabar com tudo isto!...

Pensar que a Humanidade assim padeça

É sentir, que de novo, matam Cristo!

 

Senhores dos milhões, vosso dinheiro,

Porque não remedeia tanto mal?!...

Fazei com ele a Paz do Mundo inteiro,

Que só assim, então, será Natal!

 

 

Natal de 1990

 

In “Etéreas Sinfonias do Natal”

Edição do Autor – 1997

 

Castro Reis

1918 – 2007

 

 

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Domingo, 20 de Dezembro de 2009

Recordando... Rosa Alice da Silva Branco... Poetisa Contemporânea

GRAVITAÇÃO UNIVERSAL

 

De novo o mar que espero

sentada à janela que dá para as rosas.

Que dá para todas as ruas que passei

com os teus passos. Para a estrada

onde virámos a cabeça para não ver

o homem esvaído no chão.

Depois comemos na casa de um amigo,

bebemos e falámos como se a vida fosse eterna.

À volta a estrada estava limpa, sem sinais

de sangue. As luzes sobre o mar nas duas margens

e a tua mão na minha perna. Lá no céu

um homem esventrado procura as suas asas.

Nada sei de anjos. Eu que espero o mar todos os dias

acredito na rotação da terra e na lei da gravidade.

Mas quando chegas o corpo não tem peso

e as palavras voam em redor de nós

alagadas em suor. E vem o mar.

 

 

In “Soletrar o Dia”
Edições Quasi

 

Rosa Alice da Silva Branco

N. 1950

 

 

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Quarta-feira, 16 de Dezembro de 2009

Recordando... Maria Cravidão... Poetisa Contemporânea

UMA ROSA

 

Uma rosa aérea expande-se vector de luz,

A Terra ascende noutro lugar infinitamente,

As palavras numa transumância até um silvo único,

Um sentido amado pela prata do diafragma, refluindo

o tempo todo como os receosos animais

enterram as hastes na lua.

Ou como alguém entra pelo terror

com os brandos instrumentos da paixão.

As mãos inteiras com que olho os translúcidos arcos,

a demora do corpo, ouro de ouro

sobre todas as coisas ignescentes.

 

Abraço-te como cegam

os desertores violinos

nas ogivas de água.

 

 

In “Exercício do Olhar”

Editora Vega

 

Maria Cravidão

N. 1945

 

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Sábado, 12 de Dezembro de 2009

Recordando... José Miguel Silva... Poeta Contemporâneo

SEM TÍTULO

 

O teu corpo como um livro

escrito em braille,

Nausica, deixei-o

no capítulo primeiro.

 

Inútil é pensar

nos parágrafos de luz

que prometias.

Feito está o erro.

 

Não é cego o amor:

é cego quem o troca

pelo hás de bem amado

da sua escuridão.

 

 

In “Ulisses Já Não Mora Aqui”

Editora & etc

 

José Miguel Silva

N. 1969

 

 

 

 

 

 

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Terça-feira, 8 de Dezembro de 2009

Recordando... Maria Eugénia Cunhal... Poetisa Contemporânea

SPARTACUS

 

Em cada hora
Em cada dia
Século após século
os homens arremessam o teu nome ao vento

e dele saem dardos, punhais, espadas
e dele saem pombas e flores ensanguentadas
De cada letra um filho
De cada som um eco

Teu nome-profecia
Teu nome vinho-novo
que ao terceiro dia há-de ressuscitar
nas veias do meu povo

Teu nome
que mil vezes tem sido agrilhoado
Teu nome sangue-mel
nos lábios do carrasco uma esponja de fel

Teu nome-escravo
Teu nome-espectro
fantasma de terror na noite de algozes
temido como as vozes que clamam no deserto

Teu nome-salmo
escrito em cada corpo morto
em cada cruz erguida

 

Teu nome-espiga
que se transforma
em pão
Teu
nome-pedra
da construção do mundo
que será o fruto do teu gesto

Teu nome
em cada gesto do esvoaçar das asas
da gaivota presa

Teu nome
vela-acesa na catedral da esperança
do altar-homem

Teu nome
em cada grito
em cada mão

Teu nome-sinfonia
que há-de explodir com a alegria
de um átomo liberto

Spartacus!
Teu nome-irmão.

 

 

In “As Mãos e o Gesto”

Editorial Escritor

 

Maria Eugénia Cunhal

N. 1927

 

 

 

 

 

 

 

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Sexta-feira, 4 de Dezembro de 2009

Recordando... Ana Luísa Amaral... Poetisa Contemporânea

UM CÉU E NADA MAIS

 

Um céu e nada mais – que só um temos,

como neste sistema: só um sol.

Mas luzes a fingir, dependuradas

em abóbada azul - como de tecto.

E o seu número tal, que deslumbrados

eram os teus olhos, se tas mostrasse,

amor, tão ribalta azul, como de

circo, e dança então comigo no

trapézio, poema em alto risco,

e um levíssimo toque de mistério.

Pega nas lantejoulas a fingir

de sóis mal descobertos e lança

agora a âncora maior sobre o meu

coração. Que não te assuste o som

desse trovão que ainda agora ouviste,

era de deus a sua voz, ou mito,

era de um anjo por demais caído.

Mas, de verdade: natural fenómeno

a invadir-te as veias e o cérebro,

tão frágil como álcool, tão de

potente e liso como álcool

implodindo do céu e das estrelas,

imensas a fingir e penduradas

sobre abóbada azul. Se te mostrasse,

amor, a cor do pesadelo que por

aqui passou agora mesmo, um céu

e nada mais - que nada temos,

que não seja esta angústia de

mortais (e a maldição da rima,

já agora, a invadir poema em alto

risco), e a dança no trapézio

proibido, sem rede, deus, ou lei,

nem música de dança, nem sequer

inocência de criança, amor,

nem inocência. Um céu e nada mais.

 

 

In “Às Vezes o Paraíso”

Quetzal Editores

 

Ana Luísa Amaral

N. 1956

 

 

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