SOBREVIVO
Sobrevivo
assim
casa vazia
em vasto mundo.
E tu mais dócil
em teu fiel
e paciente inferno
de enormes estrelas.
Sono de morte
sou voo raso
adágio breve
salmo e nostalgia.
Aqui nascemos
e voltamos
mortos
na memória
doce espiral,
de um tão
escasso fulgor.
In “Nocturnos”
Gótica Editora
Ana Marques Gastão
N. 1962
APELO DE NATAL
Irmãos, filhos de Deus, povos do Mundo,
Eu vos lanço este apelo universal:
Vamos erguer a voz, gritar bem fundo,
Dizer a todo o mundo, que é Natal!
Que é tempo de Concórdia, Paz e Amor,
De acabar com as guerras e vinganças!...
Pôr termo ao mal da droga, à fome e à dor,
À chacina de jovens e crianças!
Não podemos deixar que isto aconteça,
É urgente acabar com tudo isto!...
Pensar que a Humanidade assim padeça
É sentir, que de novo, matam Cristo!
Senhores dos milhões, vosso dinheiro,
Porque não remedeia tanto mal?!...
Fazei com ele a Paz do Mundo inteiro,
Que só assim, então, será Natal!
Natal de 1990
In “Etéreas Sinfonias do Natal”
Edição do Autor – 1997
Castro Reis
1918 – 2007
GRAVITAÇÃO UNIVERSAL
De novo o mar que espero
sentada à janela que dá para as rosas.
Que dá para todas as ruas que passei
com os teus passos. Para a estrada
onde virámos a cabeça para não ver
o homem esvaído no chão.
Depois comemos na casa de um amigo,
bebemos e falámos como se a vida fosse eterna.
À volta a estrada estava limpa, sem sinais
de sangue. As luzes sobre o mar nas duas margens
e a tua mão na minha perna. Lá no céu
um homem esventrado procura as suas asas.
Nada sei de anjos. Eu que espero o mar todos os dias
acredito na rotação da terra e na lei da gravidade.
Mas quando chegas o corpo não tem peso
e as palavras voam em redor de nós
alagadas em suor. E vem o mar.
In “Soletrar o Dia”
Edições Quasi
Rosa Alice da Silva Branco
N. 1950
UMA ROSA
Uma rosa aérea expande-se vector de luz,
A Terra ascende noutro lugar infinitamente,
As palavras numa transumância até um silvo único,
Um sentido amado pela prata do diafragma, refluindo
o tempo todo como os receosos animais
enterram as hastes na lua.
Ou como alguém entra pelo terror
com os brandos instrumentos da paixão.
As mãos inteiras com que olho os translúcidos arcos,
a demora do corpo, ouro de ouro
sobre todas as coisas ignescentes.
Abraço-te como cegam
os desertores violinos
nas ogivas de água.
In “Exercício do Olhar”
Editora Vega
Maria Cravidão
N. 1945
SEM TÍTULO
O teu corpo como um livro
escrito em braille,
Nausica, deixei-o
no capítulo primeiro.
Inútil é pensar
nos parágrafos de luz
que prometias.
Feito está o erro.
Não é cego o amor:
é cego quem o troca
pelo hás de bem amado
da sua escuridão.
In “Ulisses Já Não Mora Aqui”
Editora & etc
José Miguel Silva
N. 1969
SPARTACUS
Em cada hora
Em cada dia
Século após século
os homens arremessam o teu nome ao vento
e dele saem dardos, punhais, espadas
e dele saem pombas e flores ensanguentadas
De cada letra um filho
De cada som um eco
Teu nome-profecia
Teu nome vinho-novo
que ao terceiro dia há-de ressuscitar
nas veias do meu povo
Teu nome
que mil vezes tem sido agrilhoado
Teu nome sangue-mel
nos lábios do carrasco uma esponja de fel
Teu nome-escravo
Teu nome-espectro
fantasma de terror na noite de algozes
temido como as vozes que clamam no deserto
Teu nome-salmo
escrito em cada corpo morto
em cada cruz erguida
Teu nome-espiga
que se transforma
Teu
da construção do mundo
que será o fruto do teu gesto
Teu nome
em cada gesto do esvoaçar das asas
da gaivota presa
Teu nome
vela-acesa na catedral da esperança
do altar-homem
Teu nome
em cada grito
em cada mão
Teu nome-sinfonia
que há-de explodir com a alegria
de um átomo liberto
Spartacus!
Teu nome-irmão.
In “As Mãos e o Gesto”
Editorial Escritor Maria Eugénia Cunhal
N. 1927
UM CÉU E NADA MAIS
Um céu e nada mais – que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul - como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
eram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais - que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. Um céu e nada mais.
In “Às Vezes o Paraíso”
Quetzal Editores
Ana Luísa Amaral
N. 1956
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