PERGUNTAI AO MURO
Muro, em que meditas,
ao longo da estrada, por estas quintas,
casas, ermos, entre paixões
de alma dos espectros
presentes e vindouros? E os vivos,
porque se escondem
por trás da tua fronte alta,
quieta, seca, que cobiça os astros,
sem saber que o teu corpo
de xisto corre, avança,
mas não pode soltar-se da Terra
e alcançar o Alto?
In “As Fábulas”
Edições Quasi
Fiama Hasse Pais Brandão
1938 – 2007
RIQUEZA
Por parques e praças,
Ruas e travessas,
Tu, meu olhar, caças
A vida. E tropeças.
Uma gargalhada
Vem dum par contente.
Guarda-a bem guardada,
Mas caminha em frente.
Surgem-te sorrisos
Dum e de outro lado.
Não faças juízos
Rápidos. Cuidado!
Uma face grave
Nada te revela?
Talvez a dor cave,
Só mais tarde, nela.
Num choro, num grito,
Pressentes a dor?
E quedas, aflito.
Seque, por favor!
Seque, bem aberto
Para cada canto!
Olha o desconcerto
Que parece tanto!
Corre, olhar, em roda!
O que me intimida?
A vida? Só toda
Pode amar-se, a vida.
In “Rua” – 1945
Alberto de Serpa
1906 – 1992
A PALAVRA IMPOSSÍVEL
Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.
Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce –
A Palavra que nunca se profere.
“Noite Aberta aos Quatro Ventos” – 1943
In “Líricas Portuguesas”
Portugália Editora
Adolfo Casais Monteiro
1908 – 1972
O SOL NAS NOITES E O LUAR NOS DIAS
De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.
In “Poesia Completa”
Publicações Dom Quixote
Natália Correia
1923 – 1993
OS POETAS
Nunca os vistes,
Sentados nos cafés que há na cidade,
Um livro aberto sobre a mesa e tristes,
Incógnitos, sem oiro e sem idade?
Com magros dedos, coroando a fronte,
Sugerem o nostálgico sentido
De quem rasgasse um pouco de horizonte
Proibido...
Fingem de reis da Terra e do Oceano
(E filhos são legítimos do vício!)
Tudo o que neles nos pareça humano
É fogo de artifício.
Por vezes fecham-lhes as portas
- Ódio que a nada se resume -
Voltam depois, a horas mortas,
Sem um queixume.
E mostram sempre novos laivos
De poesia em seu olhar...
Adolescentes! Afastai-vos
Quando algum deles vos fitar!
(O Rapaz da Camisola Verde – 1954)
In “Poesias Escolhidas”
Imprensa Nacional – Casa da Moeda – 1983
Pedro Homem de Mello
1904 – 1984
Era a primeira vez que nus os nossos corpos
apesar da penumbra à vontade se olhavam
Surpresos de saber que tinham tantos olhos
que podiam ser luz de tantos candelabros
Era a primeira vez cerrados os estores
só rumor do mar permanecera em casa
E sabias a sal, e cheiravas a limos
que tivessem ouvido o canto das cigarras
Havia mais que céu no céu do teu sorriso
madrugava de tudo em tudo que sonhavas
Em teus braços tocar era tocar os ramos
que estremecem ao sol desde que o mundo é mundo
É preciso afinal chegar aos cinquenta anos
para se ver aos vinte é que se teve tudo.
In “O Algarve em Poemas”
Edições ASA
David Mourão-Ferreira
1927 – 1996
O POEMA ENSINA A CAIR
O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede
até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.
In "Poesia"
Assírio & Alvim
Luiza Neto Jorge
1939-1989
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